sexta-feira, 22 de maio de 2009

A MORDAÇA

Anda muito na moda a expressão “usar a mordaça”. De um momento para o outro, alguns dos políticos dos maiores partidos portugueses, decidiram presentear-nos com tais ímpetos, num espectáculo que, mais uma vez, nos embaraça a todos.
Num tempo em que ainda se fala de liberdade, porque Abril passou por aqui há apenas alguns dias, colocar esse tema em cima da mesa merece uma profunda reflexão.
Ninguém é profundamente livre nos dias em que correm. Mas escrever isto soa a algo demasiado profano, principalmente num tempo em que julgamos a liberdade como uma conquista adquirida e irrevogável.
Não escrevo no singular, faço-o no plural e sem casos em concreto. Assim sendo, vejamos bem. Se por um lado somos livres para afirmar, defender e criticar o que muito bem queremos, no fundo, bem lá no fundo, quando é necessário manter essa posição, mas temos algo que nos impede, acobardamo-nos e todos, sem excepção, já sentiram esse medo e viveram essa experiência.
Claro que alguns iluminados me tentarão contradizer, afirmando que a sua liberdade nunca foi posta em causa. Entendo isso. Não os desminto nem isso valeria a pena.
Sei que, no nosso íntimo, muitas vezes, tentamos mascarar pequenas ou grandes faltas de liberdade com autênticas fugas para a frente, porque tal é mais fácil de aceitar, como se fosse uma mentirinha que contamos a nós próprios sem mais problemas.
A verdade nua e crua é esta. Nunca sentimos tanto medo como agora. E isso obriga-nos a ser prudentes e calculistas. Ora porque temos um emprego que precisamos de manter, ora porque os nossos familiares dependem de outras pessoas, ora porque devemos certo tipo de obrigações ou porque temos uma família para alimentar, entre outras coisas.
De vez em quando temos uns rasgos de coragem. E isso alimenta-nos a ambição de que podemos ter uma vida diferente. Mas, regra geral, caímos sempre no mesmo desespero de contar palavras e utilizar toda a prudência que pudermos para o nosso próprio bem.
Não se trata de uma profunda desilusão com a vida. É apenas o reconhecer que a vida em sociedade não é perfeita e necessita de uns retoques para poder ser melhor. E se até aqui não o tem sido, desconfio que só com um certo tipo de utopia podemos aspirar a que seja diferente.
Vão valendo algumas limitações e censuras a quem abusivamente pratica os condicionalismos de liberdade. Porém, esses até são fáceis de ser detectados e corrigidos. Mas o que vos descrevi aqui hoje não passa por aí. Há liberdades e liberdades. Há limitações e limitações mais ou menos visíveis. Há muita gente que explora a nossa liberdade, sabendo de antemão que a sua própria liberdade também está condicionada. É como se fosse um círculo vicioso onde andamos todos, sem excepção.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 21 de Maio de 2009.

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