quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A AFIRMAÇÃO DO MARKETING SEM GUERRAS

É frequente e, infelizmente, tem tendência para continuar a sê-lo. Na guerra surda e absurda em que cada um tenta justificar o saber que possui e o seu carácter imprescindível na empresa onde exerce funções, muitas das vezes, por causa destas questões mesquinhas, perdem-se recursos e tempo fundamentais.
A empresa é um todo. E essa noção de que tudo trabalha para o mesmo objectivo, isto é, garantir que se ganhará lealdade e satisfação nas trocas que existirão, é fundamental para enquadrarmos um dos próprios campos de saber, isto é, o marketing.
Ainda que venha a atravessar a sua adolescência, visto ser muito recente quando comparada com outros campos de saber, o marketing tem sabido interpretar o sinal dos tempos, marcando uma nova era e sendo um precioso aliado em quaisquer análises que se façam.
Por isso, ganhando o seu próprio espaço, sem que isso necessariamente signifique uma conflitualidade (apenas alimentada na cabeça de quem não sabe ou não quer compreender a sua importância), o marketing deve ser entendido como uma ferramenta importante para decifrar os novos mercados, os novos paradigmas e os novos comportamentos.
Entre outros autores, Philip Kotller, professor da Kellogg School of Management, Northwestern University (Estados Unidos) e personalidade reconhecida pelo Management Centre Europe, como “the world's foremost expert on the strategic practice of marketing”, descreveu este campo de saber como, «o processo do planeamento e execução da estratégia de conceptualização, promoção, estabelecimento de preço e distribuição de ideias, bens ou serviços que, através de um processo de troca, satisfaça objectivos individuais e/ou organizacionais das partes envolventes».
Philip Kotler, acrescentaria ainda, no seu livro Marketing de A a Z (Editora Campus, 2003), uma necessidade de «identificar necessidades e desejos insatisfeitos, convocando todos na organização para pensar no cliente e atender o cliente.»
Novamente recusando qualquer laivo de partidarismo fácil, até porque a minha formação inicial é de Gestão de Recursos Humanos, acredito que estas definições são bastante perceptíveis e de indiscutível importância.
Não abordarei aqui, porque não é esse o meu objecto, se o Marketing é uma ciência ou simplesmente o uso da tecnologia que temos ao nosso alcance. Prefiro outro ponto de partida.
Com muito pouco de acidental, há umas semanas atrás, o Comendador Rui Nabeiro, líder da empresa Delta, numa reportagem feita sobre a sua empresa, repetia até à exaustão que era “preciso inovar todos os dias para cimentar a nossa posição”. O que levará um homem sabido e com uma cultura de negócio apuradíssima a colocar uma enorme ênfase nesta questão?
Vejamos ainda outro exemplo. O que levará a Viarco, empresa centenária de lápis portuguesa, através de um dos seus responsáveis colocar também muita ênfase na profunda “necessidade de inovar para continuar a sobreviver no mercado”?
Na minha opinião, é simples. O Marketing, entre outras coisas, colocou-nos perante um paradigma de negócio cuja base não pode ser menosprezada. Ao trocarmos o foco no produto pela centralização no cliente, no apuramento e satisfação das suas necessidades para que nós (empresa) possamos estar também satisfeitos, foi dado um tiro no pensamento antigo que nos reportava para uma ausência de vida no processo de troca.
Inovar, neste quadro, é, não só uma necessidade, como uma exigência. Quem inova ganha, quem se deixa acomodar, perde. Ou, se preferirmos a sabedoria ancestral de um provérbio chinês, “se não mudarmos de direcção, é provável que fiquemos na direcção em que estamos”.
Ora, pelo que podemos constatar, muitos dos que hoje criticam abertamente “a demagogia do marketing e dos marketeers” faltaram às aulas onde se efectuou a aprendizagem desta cultura de inovação. Não viria mal ao mundo, se não tivéssemos que andar em permanente guerra sobre qual ciência é fundamental à empresa ou sobre qual deve ser dominante.
Não perfilho a ideia de que o marketing é o centro exclusivo do universo empresarial. Não gosto de radicalidades. Mas sei, por experiência própria, que este campo de saber tem alicerces para se manter vivo, o que revelará a sua utilidade face à quantidade de desafios que as empresas deste século têm, na senda da tal inovação constante que se lhes impõe.
Assim sendo, mesmo por entre algumas considerações fantasiosas que os marketeers continuarão a ouvir em surdina, estes deverão continuar a explorar novas abordagens, reunir cada vez mais dados para uma melhor análise do padrão dos consumidores e do seu consumo (iremos ouvir falar muito de neuromarketing), na procura de atingir o máximo de satisfação e lealdade destes.
Só assim chegaremos à essência de outro dos muitos conceitos proferidos por Philip Kotler que nos resume que «as boas empresas vão ao encontro das necessidades; as empresas excelentes criarão mercados».
Sejamos astutos. Isto só se consegue com a empresa a funcionar como um todo, na plenitude de todos os seus saberes devidamente entrosados e através de uma constante inovação, prática indispensável para sobreviver em qualquer mercado.

Publicado aqui http://aeiou.expresso.pt/a-afirmacao-do-marketing-sem-guerras=f553165 e na edição do Jornal Expresso, caderno de economia, edição de 19 Dezembro de 2009

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

IMPERDOÁVEL

Há uma frase que persiste na minha mente desde a semana passada. Alguém que é responsável pela empresa Estradas de Portugal comentou, de uma forma leve e como se não fosse nada grave o facto de não ter havido inspecções subaquáticas no corrente ano, devido “à falta de verbas” para o efeito.
Não quis acreditar e ainda hoje, vários dias após esta audição, continuo estupefacto com tal declaração que revela, a meu ver, uma enorme falta de bom senso e, também, de gestão das prioridades da causa pública.
Eu sei que o dinheiro não estica. Sei também que vivemos tempos difíceis e, por si só, qualquer gasto deve ser planeado e bem justificado.
Todavia, num país que ainda respira o luto da perda de pessoas inocentes que faleceram numa noite escura e fria de Janeiro de 2001, tragédia que marcará para sempre a localidade de Entre-os-Rios e o próprio país, adiar um conjunto de inspecções que nos permitirão ter uma avaliação mais rigorosa e profunda do estado das nossas pontes, parece-me sórdido.
Bem sei que aí vêm vinte milhões de euros para gastar em 2010. Sei também que a empresa Estradas de Portugal, não quer alarmar as pessoas e a sua apreciação de pontes “em estado preocupante não significa que estejam em situação de risco” (parece irreal esta afirmação, mas pertence ao senhor Vice-Presidente da EP, Eduardo Gomes, em entrevista à RTP).
Ainda tento concluir, com muito esforço acrescento, que as pessoas sabem o que estão a fazer. Mas, perante tamanha incompetência, torna-se difícil. E não são casos únicos.
Em Novembro de 2007, escrevi um texto sobre a ponte metálica de Portimão. Nesse texto discorri sobre todos os passos dados para que fosse necessária a intervenção na dita ponte. O processo, recorde-se, teve início em 2001 quando num relatório se concluiu que «a obra foi classificada no EC4 (mau a muito mau) na sequência de Inspecção Principal realizada no âmbito do Programa de Inspecção de Obras de Arte a Nível Nacional, realizado em 2001.»
Atentemos a data em que se iniciaram as obras, isto é 2007/2008. Terminaram em 2009, o que nos dá um período de seis a sete anos para que alguém fizesse algo.
Questiono portanto, quem é que deve responsabilizar a EP? Quem é que deve mandar efectuar imediatamente as inspecções subaquáticas para que todos possamos ficar esclarecidos quanto ao verdadeiro estado das nossas pontes? Para quando o fim destas declarações públicas que nos envergonham a todos e apenas confirmam que muitos agem por reacção e medo da comunicação social, em vez de agirem em tempo oportuno.
Quem souber ou puder que responda.

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 9 de Dezembro de 2009. Link: http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=100616

POR FAVOR, “PRENDAM” ALGUÉM!!!

Confesso-o sem rodeios. Nunca me passou pela cabeça escrever sobre a Gripe A (H1N1), apesar de ser um tema que me merece toda a atenção, por uma diversa ordem de factores. Tenho medo, como tantos outros têm. Sinto receio pela minha família, em especial pela minha filha de um ano e meio, como tantos outros sentem pelas suas. Procuro toda a informação que posso, como tantos outros o fazem, na ânsia de tomar uma decisão objectiva sobre o assunto. Aliás, é precisamente em nome desse desespero que escrevo as próximas palavras.
O que pensará o comum mortal do que se tem passado em redor da vacinação contra a Gripe A? Alguém, em perfeito juízo, consegue ficar esclarecido? Não, ninguém fica. Atentemos num comentário, igual a tantos outros publicados em milhares de fóruns que existem sobre este assunto: «Estou com um nó na cabeça. Sou professora e estou rodeada de miúdos. Não sei mesmo o que fazer. A minha obstetra, apresenta-me os factos da Direcção Geral de Saúde, a minha ex-médica de família vai-se vacinar, mas a minha actual médica de família recusa-se. Caramba, se o próprio pessoal de saúde se recusa??!!! O que se deve pensar? Uma amiga que é farmacêutica, é apologista da vacinação, mesmo durante a gravidez...»
Costuma-se dizer que da discussão se faz a luz. E isso está certo. São necessárias opiniões distintas para que se possa aclarar um assunto. Mas, observar tamanha diversidade de concepções entre profissionais de saúde e num assunto tão melindroso como este, é um acto bárbaro.
Por um lado, a Direcção Geral da Saúde assume que «a vacinação tem por objectivos a protecção dos cidadãos mais vulneráveis, de modo a reduzir a morbilidade e a mortalidade, assegurar a continuidade dos serviços fundamentais e, ainda, reduzir a transmissão e a velocidade de expansão da doença». Por outro lado, alguns profissionais de saúde contrariam a utilidade desta vacina por não estar provada a sua conveniência e apuradas as suas consequências.
Esmiucemos a questão. Se o Estado me pedir para me jogar para um poço, obviamente, não o farei. Todavia, e mesmo fazendo o esforço de acreditar que muitas vezes existem interesses económicos em sectores tão importantes como o da saúde, quem sou eu para questionar as indicações de quem tutela a saúde, seja a nível nacional, europeu ou mundial? Quererão estas pessoas ver-me morto? Serão capazes de estar enviar milhares de pessoas ávidas desta vacina para o desconhecido? Quero acreditar que não.
Por isso, para ficar esclarecido, também tenho procurado uma prova irrefutável de que não vale a pena vacinar-me entre aqueles que dizem que não tomam a vacina, mas que estão ligados à área da saúde. Não encontro. Apenas leio e ouço respostas firmes mas com justificações muito vagas e sem suporte científico.
Eu quero acreditar que as pessoas que não querem tomar a vacina, e cuja vontade temos de respeitar, pensam ter razão e por isso sentem necessidade de avisar os outros. Mas, não consigo aceitar é que, sem provas concretas, andem a criar um clima de alarme social que apenas ameaça a saúde geral e nos confunde a todos.
Assim sendo, e porque já fomos longe demais, que se apurem os factos com rigor, porque se assim não for, numa radicalidade meramente literária, ou se manda “prender” quem nos está a expedir pretensamente para a morte, ou se manda “prender” todos aqueles que nos andam a desassossegar o espírito, sem qualquer motivo.
Uma coisa parece-me óbvia. Ambos os lados não podem ter razão ao mesmo tempo.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 26 de Novembro de 2009

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

UMA ATITUDE DE ANCIÃO

Ansião, agora com s, é um concelho que fica no distrito de Leiria. Tal como tantos outros lugares um pouco por esse mundo fora, tem sofrido com a crise mundial que se instalou e teima em não partir.
Esta é a história de seis empresas que estavam em más condições e cujo futuro não augurava nada de bom. Tal como nos é descrito pelo Jornal Horizonte, na sua edição do mês passado, “a ideia da fusão de cinco empresas de Avelar e uma de Castanheira de Pêra pode ser a solução para salvar a indústria têxtil na região, que agoniza há vários anos com as empresas em processo de ruptura, algumas em insolvência, com dispensa de funcionários e vários meses de ordenados em atraso.”
Esta decisão merece algumas considerações. Todavia, necessitamos de recuar um pouco atrás, de forma a podermos acrescentar alguns dados a este processo.
No impasse que se gerou, e ao invés de se deixar morrer um conjunto de empresas centenárias, e por isso com uma história e um know how que importava não desbaratar, o sindicato promoveu uma reunião com os cerca de 350 colaboradores dessas empresas e propôs que se construísse uma plataforma de entendimento que catapultasse as mesmas para outra dimensão, e dessa forma, para uma oferta superior, o que ao mesmo tempo, lhes conferiria outra vantagem competitiva.
Depois de uma reunião em meados de Setembro onde se reuniram empresários, funcionários, sindicato, elementos do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI), da Segurança Social e da Caixa Geral de Depósitos, foi apresentado o projecto "B4F" que pretende aglutinar as empresas Fiar, Finistex, Fareleiros, Pivot e V. Fino de Avelar e Barros da Castanheira de Pêra numa só.
Conforme nos adianta o mesmo órgão de comunicação local, “esta nova empresa vai gerir as seis, através do trabalho de um administrador em cada uma delas, que continuará com um modo de funcionamento independente.”
Permitam-me pois alguns destaques que me parecem óbvios. Num tempo de grande incerteza e onde tem proliferado um clima pessimista e encerramentos (infelizmente, alguns de qualidade duvidosa), é de aplaudir a presença e a missão do sindicato, finalmente com uma atitude construtiva ao invés da sua habitual má conotação.
Registo também com agrado a própria acção dos trabalhadores que terão optado pelo caminho mais difícil mas que tiveram o retorno da sua argúcia. Realço o papel dos próprios administradores das empresas que souberam olhar em frente em vez de olhar apenas para os seus próprios umbigos, preferindo a união à morte lenta.
Finalmente, um registo para a presença do Estado enquanto garante da oportunidade criada, optando por fazer em vez de burocratizar o processo, tendo-se revelado fundamental para este desiderato a acção do IAPMEI que garantiu um grande apoio, tal como as negociações com a Segurança Social e a Caixa Geral de Depósitos, que delinearam um plano de reestruturação para pagamento das dívidas.
Em suma, não só um exemplo que mereceria uma outra divulgação, como estamos perante uma reflexão profunda e obrigatória a todos os que estando em condições semelhantes, preferem claudicar do que abrir os seus horizontes.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A SOMBRA DOS VENCIDOS

Perder custa, dói mesmo. Apenas quem conhece esse absoluto silêncio ensurdecedor que se sente quando as sedes ficam vazias, depois de uma derrota eleitoral, é que sabe dar valor à política, dentro do quadro democrático onde ganhar ou perder é isso mesmo, ou seja, o exercício prático da própria democracia.

Regra geral e única, perder não traz holofotes nem notícias espampanantes no dia seguinte. E, se as trazem, certamente, nunca é por bons motivos. Temos, portanto, uma cultura onde os vencedores são tudo e os derrotados são quase nada.

Acho que como em tudo na vida, importa saber ganhar e saber perder. Atrevo-me até a desequilibrar os pratos da balança. Para mim, é mais importante saber perder, se soubermos meditar o porquê desse resultado, do que ganhar e festejá-lo de uma forma demasiado arrogante e pouco edificante. Não querendo desejar a infelicidade a alguém, mas persisto numa ideia: há por aí muita gente que deveria perder para saber ganhar.

Mas voltemos aos vencidos e aos seus problemas. Embora esteja hoje afastado da vida política activa, principalmente no meu concelho e por razões profissionais, sei o que é perder eleições, entendo a revolta que se cria dentro de nós após os desaires e compreendo perfeitamente o quão pesados são os dias seguintes a uma derrota. Aprendi e cresci com isso, e hoje, por mais paradoxal que tal pareça, sinto que em cada desses momentos cresci como pessoa.

Todavia, há processos e processos. Não adianta pois perder umas eleições sem tentar perceber o que se passou, meditar sobre qual o nosso comportamento, aferir sobre a campanha que fizemos e se soubemos ou não transmitir as nossas ideias correctamente.

Esta reflexão que nada tem de persecutória contra os outros, porque são sempre mais fáceis de culpabilizar, tem o condão de nos ensinar e fazer ver, de uma forma mais fria, os erros cometidos de modo a que não sejam repetidos.

Apenas esta catarse de pensamento nos permitirá chegar ao que se exige, isto é, o pôr em causa das nossas atitudes perante os desafios que não chegámos a vencer.

Quem souber interpretar os sinais que muitos emitiram e que não foram escutados; quem souber ultrapassar as derrotas vendo além das mesmas, na esperança de que possam ser o princípio de outras vitórias; quem tiver capacidade de redesenhar o seu processo todo e não ficar amarrado à ideia que apenas faz aquilo que acha, porque se sente no pleno da razão, mas que não tem correspondência ao mundo real; esses serão os vencidos mais capazes de se tornarem vencedores.

A vida é todo um processo. A política não se lhe fica atrás. Bebem ambas as mesmas condições em que são vividas. Apenas é necessária a inteligência para saber ultrapassar os problemas. Logo a questão não se coloca nos termos dos coitados dos vencidos. Colocar-se-á antes no plano de quem quiser aprender algo com a derrota. Aí, pelo que sinto, uns terão a mestria de ficarem abertos a outros conselhos ou naturalmente cederão os seus lugares, outros nem por isso.

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 28 de Outubro de 2009. Link:

http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=99353

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

UM ALGARVE A VÁRIAS CORES

Pronto. Ponto quase final nas eleições legislativas. Faltam apenas apurar 4 mandatos para termos a noção definitiva do que irá ser o nosso parlamento durante a próxima legislatura. Para esta leitura que farei de seguida, mais do que o país, interessa-me o distrito mais a sul de Portugal. Esmiucemos pois o que cá se passou.
A votação do Algarve revelou-se uma pequena grande surpresa. Com o recuo do PS, cerca de menos 34 mil votos, e o avanço de todos os outros partidos, com maior ou menor expressão, este acto eleitoral, apesar do aumento do PSD, a meu ver, fica marcado pela eleição dos deputados do BE, Maria Cecília Honório e do CDS, Artur José Rêgo.
Apesar de sempre entender que nem centro político estão apenas os vícios, nem nas pontas estão apenas as virtudes, como é moda agora qualificar, creio que o Algarve tem a ganhar com a recente pluralidade partidária eleita, e nela, poderá ver uma mola de inspiração e de lobby para esta região.
Todos somos algarvios. E esse lema deve orientar a sua actuação no parlamento, independentemente do governo em funções.
Lanço pois um repto. À excepção da CDU, embora também possa participar nesta missão através de outros parlamentares, os partidos que elegeram deputados por este círculo devem interligar a sua actuação com os interesses do que falta fazer nesta região, sabendo encontrar pontos em comum apesar das diferenças ideológicas, ultrapassando uma certa falta de protagonismo regional que nos impede de chegar ao centro das grandes decisões.
Bem sei que tudo isto pode parecer utópico e que dos deputados eleitos apenas cinco tem ligações mais estreitas ao Algarve. Todavia, mesmo assim, ao serem leais aos seus compromissos, os agora parlamentares em representação desta região, deverão ser coerentes com os princípios que nos andaram a apregoar, manifestando coragem política para defenderem os interesses do Algarve e dos algarvios.
Torna-se fácil este raciocínio. Mais Algarve, mais pluralidade e mais vontade será igual a um futuro com mais investimentos, mais obras que tragam mais desenvolvimento e melhor qualidade de vida.
Defender o Algarve é pois uma missão. De tantas desculpas capazes de justificar alguns eventuais erros, apenas não admitirei ouvir que falharam porque nada fizeram ou porque os seus partidos não deixaram. Soará mal e sofrerão as devidas consequências.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 2 de Outubro de 2009, página 21

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Um Agradecimento

Ultrapassar a meta das quinhentas visitas é um marco que gostaria de registar. Fundamentalmente, e se tivermos em conta que o propósito deste blog é "apenas" o registo das minhas crónicas, logo não tem um movimento diário de post's, o facto é que o número dessas visitas é muito interessante. Obrigado a todos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

CRISE? QUAL CRISE?

As duas histórias contam-se rápido. Uma tem a ver com a venda de um automóvel e outra com aquilo que se costuma designar por contratos com lavandarias.
A crise que vivemos deveria, pensava eu, trazer uma flexibilidade de pensamento e acção que, embora respeitasse algumas regras básicas, fosse mais ao encontro das pessoas e do novo enquadramento económico. Pensava…
Imaginem uma compra de um automóvel. Apesar do comprador esperar fazer um super negócio, porque estamos em crise, do outro lado, aparentemente, a mentalidade não mudou em nada. Procuram fazer bons negócios também, e isso aceito porque são as regras do mercado, mas, em vez de facilitarem e flexibilizarem os processos morosos de debate sobre o melhor preço, ficam ainda agarrados a métodos antigos e preferem ficar com o automóvel, mesmo que isso implique que se torne um activo parado a um canto.
Por outro lado, imaginem o que é ter contrato com uma lavandaria, pagando uma soma por um número de peças. Dizem-nos repetidamente que temos de obedecer cegamente ao limite temporal mensal, mas não explicam o porquê nem o sentido dessa coisa.
Está escrito, é verdade. Mas, se por absurdo, o cliente levar mais dias do que o previsto, estará a lavandaria preparada para perder esse cliente, em vez de o manter? Pelos vistos, sim, preferem.
Estes são dois exemplos, entre outros que tenho tido conhecimento. São absolutamente anormais para o tempo em que vivemos, e, desculpem a minha teimosia, ninguém me conseguiu ainda convencer que estou errado.
As regras do mercado são explícitas. Todos procuram fazer grandes negócios e precisam desses lucros para viver. A esta mentalidade, admito, há ainda um pequeno número de pessoas que entende que para existir um bom negócio, é preciso que ambas as partes, comprador e vendedor, fiquem satisfeitas.
Todavia, em tempos excepcionais, acções e comportamentos excepcionais. Não se pede a ninguém que perca dinheiro de uma forma absolutamente ridícula e que ponha em causa a sua própria sobrevivência, mas exige-se, de uma forma séria, que quem vende entenda o cenário de crise e se coloque numa posição mais favorável, e que daí até tente encontrar oportunidades de negócio.
Os casos que aqui trouxe são reais. Eles aconteceram ou continuam a acontecer. Daí a pergunta que serve de título para este texto. E, se vermos bem, ela faz todo o sentido porque, na prática, parece que muitos ainda não perceberam que estamos em crise e que se não forem dados estímulos para as pessoas efectuarem as suas compras, haverá uma retracção que inevitavelmente terá sérias repercussões nos seus negócios.
Diz-nos a história que ou se age na altura certa ou então torna-se demasiado tarde. Porém, esta é uma lição de vida que muitos, pelos vistos, ainda não assimilaram.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 27 de Agosto de 2009

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

ASSIM VAI PORTUGAL

A leitura pormenorizada do que vem publicado recentemente na imprensa, leva-nos directamente para o campo do imaginário, embora, tal devaneio, possa ser perigoso e até carente de alguma compaixão. Por entre tantas notícias de silly season, reparei em três notícias que merecem alguma reflexão.
Se é certo que a escravatura foi abolida em todo o Império Português, com a lei de 25 de Fevereiro de 1869, até ao termo definitivo de 1878, não é incomum voltarmos a falar deste assunto.
Ao desfolhar o Jornal Público, edição de 11 de Agosto, somos estranhamente convidados a conhecer o caso do Alentejo onde «há imigrantes a trabalhar sob violência, extorsão e medo». E não ficamos por aqui. Bastaria ler o primeiro parágrafo para entendermos a dimensão verdadeiramente ultrajante do caso. «Violência física, extorsão de dinheiro dos salários, trabalho de sol a sol, fome e medo: É este o quotidiano de imigrantes romenos e tailandeses».
Não sendo um caso novo, impõe-se que se faça alguma coisa. Mesmo que por detrás destes dramas se encontrem máfias com treino militar, e por isso, verdadeiramente perigosas, não podemos ficar reféns ou à mercê deste tipo de gente.
Se for mais longe nesta questão, terei de abordar a qualidade e quantidade de imigração do nosso país. Sim, eu sei, somos também um país de emigrantes. Mas interrogo-me há muito tempo, e sem que isso signifique que sou xenófobo ou intolerante, até quando esse pretexto vai servir para facilitar a entrada de toda a gente, sem uma fiscalização posterior que possa aquilatar a sua integração no nosso país, na mesma forma que acontece a milhares de portugueses por esse mundo fora?
Mudemos de página, o que nos permite ir ao encontro da Gripe A, salvo seja, claro. As recentes notícias inquietam-nos. Embora tal fosse previsível, e ainda vamos no início, gostaria de trazer à colação algo que foi dito pela Ministra da Saúde e que, isso sim, talvez mais do que a doença, deve preocupar.
Ao considerar que algumas pessoas tinham “comportamentos anti-sociais”, esta acusação, vem por a nu actos que espelham atitudes pouco prudentes, o que favorece o contágio e põe em causa a saúde pública. Já não basta um mal, só faltava outro.
Por isso mesmo, e rumo à terceira notícia, com um país com pessoas com tantos defeitos (é o que costumamos dizer quase sempre), será que o caminho seria a restauração de monarquia?
Pelo menos, foi o que pensaram um conjunto de amigos que tiveram a ousadia de hastear a bandeira azul e branca da monarquia, usada em Portugal até 1910, nos paços do concelho de Lisboa. Tal gesto, que poderá valer uma sanção criminal, é, nas palavras dos seus autores, «uma inédita acção de guerrilha ideológica».
Para além do seu acto, ainda que imbuído de um forte sentimento ideológico, o que mais prendeu a minha atenção, é a forma como alguém sobe à varanda da Câmara de Lisboa, sem que ninguém note, estando mesmo ao lado uma esquadra da polícia.
Vá lá que era uma brincadeira. Mesmo assim, fica o aviso.

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 19 de Agosto de 2009. Link: http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=97100

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Crónica do Jornal Expresso

Geralmente, tenho seguido a regra de usar este espaço para publicar apenas o que escrevo para a imprensa. E, enquanto não mudar de ideias, assim vai continuar. Todavia, este post, não podia ficar na gaveta. Trata-se de um agradecimento pessoal ao Professor Efigénio Rebelo, ilustre Presidente da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, pelo convite que me dirigiu, no sentido de escrever para a edição on line do Jornal Expresso.

Como poderão verificar a crónica já foi publicada. Ao Professor e à Faculdade que dirige, o meu muito obrigado.

UM ALGARVE DE E PARA TODOS

A frase soou como um trovão. No auge do mês de Agosto, duas senhoras, numa cidade algarvia de forte pendor turístico, e perante uma multidão de pessoas e carros que obstruíam as vias de acesso, censuravam: “nunca mais vem uma trovoada para que esta gente se vá embora”.

Ora, numa região que, em 2008, liderou os proveitos por estabelecimentos hoteleiros, com 580 milhões de euros, num sector económico que obteve o ano passado receitas totais de 7.500 milhões de euros (dados do Turismo de Portugal), e onde, por consequência, os residentes, de uma forma directa ou indirecta, dependem dessa industria, a frase é bastante perigosa e até incoerente.

Todavia, estes desabafos, comuns durante os meses mais agitados, não colocam em causa uma das características que mais nos distingue, isto é, o saber receber, nem tão pouco, indiciam alguma ideia de separatismo geográfico. São antes, uma crítica explícita aos anos sucessivos em que imperou uma ausência de rigor no planeamento urbanístico e que obrigam hoje, os lugares mais turísticos, a uma flexibilidade quase impossível, devido ao facto de um aumento exponencial de residentes, o que naturalmente gera incómodos.

A resposta a este problema, com certeza, não será a vinda da dita trovoada. Mas terá de passar pelo planeamento de um novo Algarve, ainda mais capaz de incluir todos, sejam os visitantes ou visitados, criando condições para uma coexistência mais proveitosa, de preferência não apenas residual, mas distribuída ao longo do ano.

O Algarve enferma de vários problemas. Conforme a análise feita no Plano Estratégico Nacional do Turismo que define as acções para o crescimento sustentado do Turismo Nacional nos próximos dez anos, esta região é, essencialmente, um destino de Sol e Mar, o que tem como consequência uma elevada sazonalidade (taxa de ocupação de 64% nos meses de Verão, com o pico a verificar-se em Agosto, com uma taxa de ocupação de 76% e uma taxa de ocupação de 20% nos meses de Inverno).

Numa altura em que se discute cada vez mais a importância dos lugares e as vantagens das especificações históricas, sociais ou políticas de cada um, importa, por isso, olhar para o Algarve e para os algarvios com alguma atenção, evitando criar desfasamentos que não interessam, ao invés de uma complementaridade que é desejável.

O projecto Allgarve tem espírito. Compreendo-o se mo explicarem enquanto garantia para incluir esta região na senda de um lugar com glamour, aberto a uma panóplia de cultura e capaz de seduzir um certo público com vocações e interesses muito próprios.

Todavia, há um outro Algarve que não pode ficar menosprezado. Falo de um conjunto largo de cidadãos que não conseguem frequentar esses meios, que residem cá durante o ano inteiro e que merecem uma política de medidas próprias que elevem a qualidade de vida nesta região, aliando todos os eventos, não os fazendo sentir à parte e encontrando um equilíbrio necessário.

Não tenham dúvidas. O Algarve continua apelativo e irá continuar a sê-lo, desde que consiga superar todos os desafios da modernidade que se lhe exigirão a muito breve prazo. Estes passam pela consolidação de dez produtos turísticos estratégicos: Sol e Mar, Touring Cultural e Paisagístico, City Break, Turismo de Negócios, Turismo de Natureza, Turismo Náutico (inclui os Cruzeiros), Saúde e Bem-estar, Golfe, Resorts Integrados e Turismo Residencial, e Gastronomia e Vinhos.

Para todos eles temos resposta, desde que os responsáveis políticos que enfrentarão esses desafios, seja no plano local/regional ou a nível do governo central, consigam entender e projectar um conjunto de medidas que nos tragam um reforço de complementaridade, para ir ao encontro de um Algarve inclusivo e capaz de responder às expectativas diferentes de cada um.

Aos problemas detectados no mesmo Plano Estratégico Nacional de Turismo, que, entre outros pontos, indica a dependência sazonal da região e que foca a necessidade de uma requalificação hoteleira, falta pensar um Algarve que tenha em conta o que as pessoas que andam na rua, no dia a dia, sentem, promovendo a sua opinião e manifestando interesse pelas mesmas.

O marketing dos lugares e asseveração de um conjunto de branding commodities não funciona se não conseguirmos projectar a imagem de uma consciência social (que já existe mas que tem de ser aperfeiçoada), que garanta à partida o empenho de todos face à missão principal da região, sabedoria que aproveitará melhor ainda as vantagens estratégicas que temos e das quais nos orgulhamos.

Esse patamar é, aliás, fundamental para projectarmos positivamente esta região num quadro de uma concorrência feroz, reafirmando-a como um ponto turístico de referência mundial.

Não tenho dúvida nenhuma que todos querem o mesmo, isto é, um Algarve forte, com condições para todos e capaz de continuar a liderar e transformar em realidade todos os nossos sonhos, dos quais não abdicamos. A trovoada, essa, pode certamente esperar pelo Inverno, quando for o tempo natural para as mesmas.

Publicado, no dia 10 de Agosto de 2009, na edição on line do Jornal Expresso. Link: http://aeiou.expresso.pt/um-algarve-de-e-para-todos=f530209

CONVENÇAM-NOS

Daqui a menos de dois meses, disputar-se-ão as eleições legislativas. Até lá, por entre todo o barulho de fundo a que estamos acostumados, certamente, seremos confrontados com muitas propostas políticas que merecerão ou não o nosso apoio.
Hoje, segundo o que se mede amiúde através de múltiplas sondagens, sabe-se que os portugueses estão, cada vez mais e quase num sentido irreversível, descontentes com os actos públicos praticados (leia-se medidas governamentais), embora ainda acreditem, aqui e acolá, no que se lhes promete antes das eleições. Mas é sol de pouca dura.
Cada vez mais atentos e esclarecidos, os eleitores, sabem distinguir quem é este ou aquele candidato e qual o histórico de cada partido no exercício da nossa democracia.
Ora, isto significa que apesar do alheamento a que a política está votada, nestas ocasiões pré eleitorais, os portugueses procuram fazer os seus equilíbrios. Mesmo que ainda exista espaço para um certo romantismo político, ora porque gostamos de ouvir aquele sound bite, ora porque gostamos daquela pessoa concreta ou, simplesmente, porque gostamos daquilo mas não sabemos bem porquê e atribuímos tudo à empatia que sentimos, o certo é que a razão (pelo menos aquela que achamos ser a nossa) tende a situar tudo de uma forma mais complexa.
Hoje, comunicar no sentido político, exige uma clarividência que não está ao alcance de todos. Há que saber contrariar os preconceitos bizantinos, pugnando por uma abertura de horizontes e pelo arrojo de novas ideias e projectos.
Apenas assim se poderá combater o descrédito assente na nossa sociedade e vencer aquela ideia de que vale tudo, desde que os próprios políticos falem em nome dos portugueses. Aliás, esta última ideia, enferma num problema que me parece elementar. Ninguém deveria falar em nome dos portugueses constantemente, como se eles fossem uma massa inerte e até de alguma forma seguidista, porque ninguém foi mandatado para os representar ao minuto.
Não se deve nem pode confundir o mandato político de quem ganha e por isso tem de governar, com uma apropriação do Estado a seu belo prazer, arrogando-se a todas e quaisquer iniciativas ao abrigo desse chapéu-de-chuva.
Hoje dar um voto a alguém não é conferir um mandato cego e sem responsabilidades. Ainda que não possamos fiscalizar o trabalho de quem nos governa de uma forma mais assídua, independentemente do partido que lá esteja, o caminho terá de passar pela criação de instrumentos que possam garantir uma maior participação dos eleitores entre eleições, o que não significaria governar sob cordas, mas implicaria uma proximidade dos eleitos aos eleitores.
É por estas e por outras situações que estes momentos eleitorais encerram em si um conjunto de vectores que julgo fundamentais. Eis chegada a hora de nos esclarecerem convenientemente e tal missão já não pode ser encarada levianamente.
Podemos achar muita piada às camisolas, porta-chaves e canetas que nos entregam. Mas, certamente, não serão com essas “futilidades” que os partidos marcarão a agenda política, nem tão pouco conseguirão conquistar o nosso voto.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 6 de Agosto de 2009

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A PERCEPÇÃO DA NOSSA DEMOCRACIA

Salvo o erro, creio que o estudo promovido e divulgado no IV Congresso da SEDES (associação cívica portuguesa fundada em 1970), intitulado A Qualidade da Democracia em Portugal: A Perspectiva dos Cidadãos, dirigido por Pedro Magalhães da Universidade de Lisboa, com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e da Intercampus, passou ao lado da opinião pública e dos políticos portugueses, facto que lamento profundamente.
Ainda que tenha contado com algum impacto mediático, foi assim que tomei conhecimento, e mesmo que muitos possam afiançar que não passa de mais um estudo igual a tantos outros, os resultados apurados dever-nos-iam obrigar a reflectir sobre a percepção que temos sobre a nossa democracia.
O estudo apresenta um enorme grau de desconfiança na democracia, indo até mais longe nas conclusões apresentadas, nomeadamente quando se assevera o descrédito da justiça. Entre os inquiridos, “mais de dois terços consideram que a justiça não trata de maneira igual pobres e ricos e trata de uma forma diferente um político e um cidadão comum” e “a maioria sente-se desincentivada de recorrer aos tribunais para defender os seus direitos”.
No estudo em causa, é notório também o distanciamento entre eleitores e eleitos. Mais de 60 por cento discordam da ideia de que “os governantes têm muitas vezes em conta as opiniões dos cidadãos”, 73 por cento não se revêem na afirmação que “as pessoas como eu têm influência sobre o que o Governo faz”, 75 por cento discordam da frase “os políticos preocupam-se com o que pensam pessoas como eu” e, a mesma percentagem de inquiridos, discorda com a ideia de que “quem está no poder não busca sempre os seus interesses pessoais”.
Assim, não será de estranhar que 16 por cento dos inquiridos se sintam nada satisfeitos com a democracia, 35 por cento se sintam pouco satisfeitos, ou seja, mais de metade têm uma opinião muito negativa em relação à nossa democracia.
Neste enquadramento, é muito difícil passar ao lado destes resultados sem, pelo menos, dar uma opinião ou tentar, como deveria ter sido feito pelos políticos, sejam eles de que quadrante for, anunciar um conjunto de medidas para reverter este quadro.
Por mais que seja difícil de explicar às pessoas que isto pode mudar, ainda creio, e porque sou optimista, que poderão haver saídas para esta crise de identidade. Fundamentalmente, apesar de tantos erros e de tanta gente desonesta ter vencido na vida à custa da desilusão criada em tantos cidadãos, cujo voto foi fundamental para essa vã conquista, ainda acredito num certo tipo de justiça social que nos permita separar o trigo do joio e que faça com que as pessoas regressem à necessidade de cumprir os seus deveres cívicos sem mais desculpas.
É um trabalho de todos. E, nesta missão, por mais razões que as pessoas desiludidas possam ter, há sempre algo que terá de ficar no cerne do nosso comportamento: não há outra alternativa à democracia que não seja uma democracia participada. Só assim será garantida a nossa própria liberdade.

Publicado Jornal Região Sul, edição de 15 de Julho de 2009. Link: http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=96038

terça-feira, 7 de julho de 2009

DE UM TEMPO AUSENTE

Começo por escrever estas linhas sabendo o quão longe estou de casa. Dentro do meu país, mas com uma realidade diferente, onde pontificam outros hábitos e porque não dizê-lo, formas de cultura dissemelhantes, estou de férias.
Conheço bem alguns dos sítios onde estou neste momento. Algures no distrito de Viseu, mais concretamente em Moimenta da Beira, terra dos meus pais, sei que sinto sempre um enorme prazer em estar por cá. Sei também que são realidades que considero complementares, dentro de um país todo diferente e todo igual.
Tive a oportunidade de visitar, durante estes dias, a cidade de Bragança, Vila Real e Mirandela, fazendo uma visita turística nordestina, o que me reforçou a minha leitura sobre alguma da desertificação a que o nosso país está votado desde há algum tempo.
Claro que não falo destes três locais que acabo de mencionar, nem tão pouco dou como exemplo o caso da vila onde estou, mas fico com a sensação inabalável que o próprio crescimento destes e de outros locais, têm sido o reflexo de um abandono das pessoas que antigamente viviam nas suas periferias e que agora tentam encontrar um novo rumo para si e para os seus.
Ainda nestes dias, talvez pelo meu apetite confesso por aquelas paisagens quase bucólicas que por aqui abundam, tive a oportunidade de visitar alguns locais onde se sente claramente um tempo ausente, como que se tivesse parado por artes mágicas.
Poucas casas, pouca gente e, aquele sensação de que aqueles que vemos são de uma idade avançada e, por isso, perfeitamente resignados ao que têm.
Assim, é como se vivesse num dilema. Por um lado, senti-me bem por estar ali, gozando uma súbita paragem do tempo, sem acesso a telemóveis e com uns pulmões cheios de ar puro, mas, por outro lado, não consegui suprimir a sensação de que um certo Portugal morre aos poucos e não tem capacidade de se regenerar.
A desertificação destes locais gera problemas que são difíceis de resolver. São centenas de lugares que parecendo agora abandonados, antes geraram vidas, honraram tradições, consolidaram a nossa história e a própria cultura, e, por isso, mereceriam um acompanhamento diferente.
Ao Governo, enquanto primeiro responsável pelo equilíbrio territorial, exige-se que seja capaz de ser a mola inspiradora que mais ninguém poderá igualar. Pedem-se acções rápidas, que alterem o rumo dos acontecimentos, fazendo com que haja uma discriminação positiva e um conjunto de incentivos que façam regredir este êxodo.
Pede-se também aos agentes locais, pela sua familiaridade com todos estes assuntos, que possam ajudar a fixar as pessoas em muitos desses lugares, dando-lhes condições para que possam ter qualidade de vida e trabalho.
O esforço contra a desertificação é de todos. O país também pertence e diz respeito a todos. E, mesmo com as realidades e vivências diferentes que encontramos cada vez que vamos para fora cá dentro, todas essas coisas que ainda existem hoje e as que pudéssemos recuperar, certamente fariam de nós um melhor Portugal.
Ora, todos o sabemos, esta constatação faz muito mais sentido nas horas em que mais precisamos de o provar. Eis esse tempo.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 2 de Julho de 2009

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A EUROPA MAIS LONGE DE NÓS

Quem estiver a ler este texto está em vantagem em relação ao autor destas linhas. É fácil perceber porquê. Neste momento, sabe aquilo que apenas posso tentar adivinhar, devido há semana que medeia a feitura deste artigo e a publicação do mesmo.
No entanto, para o que vos quero transmitir, não interessa saber quem ganhou ou perdeu estas eleições. A quatro dias das eleições, eis o meu veredicto: Perdemos todos!
Ninguém conseguiu discutir a Europa, tal como ela mereceria. Ninguém conseguiu empolgar os portugueses, transmitindo-lhes informação ou um pouco de esperança consolidada em algo concreto para o futuro. Em suma, ninguém marcou a diferença.
Os partidos políticos, salvo algumas excepções pontuais, usaram mal o seu tempo de antena e perderam mais uma oportunidade para aproximar os eleitores dos eleitos.
Numa pesquisa de rotina que andei a fazer pelos sítios na internet de todas as forças políticas ou movimentos que se candidataram, vi mais publicidade partidária pura e simples do que menções fortes a uma pedagogia política que era importante ser feita. Notei mais quezílias partidárias do que esclarecimentos elucidados dos seus propósitos. E, para cúmulo, ainda consegui descobrir manifestos contra a Europa, em candidaturas ao Parlamento Europeu.
Fico com a sensação de que estas eleições europeias foram mais encaradas como um momento de preparação para as eleições legislativas do que propriamente como um acto eleitoral importante, dada a nossa integração europeia e todas as implicações que isso acarreta. E é pena.
Resta-nos pois continuar a viver a ebulição contínua em que andaremos até Outubro, esperando que algum do ruído que ficámos fartos de ouvir, seja da oposição ou do próprio Governo, se dilua e se transforme em algo de outra natureza.
Os problemas do país não pararam nem desapareceram. Mantêm-se vivos e, alguns deles, são demasiado presentes para que possamos perder tempo num eleitoralismo que nos envergonhou, principalmente, quando sabemos algumas das verbas dispendidas para o efeito.
Claro que sou defensor do livre funcionamento da democracia. Qualquer acto eleitoral merece e precisa que todos os partidos, sem excepção, possam assegurar as suas candidaturas, incutindo diversas mensagens, consoante as suas diferenças programáticas. Reside aí uma das pedras basilares de qualquer democracia.
Sem me contradizer, e na mesma linha de raciocínio, é por isso mesmo que não posso aceitar que se percam oportunidades como estas (momentos eleitorais) para falhar um dos objectivos dos partidos ou movimentos: elucidar, dar contributos, apresentar projectos, enfim, pugnar para que Portugal seja um país forte, próspero e justo.
Será que os portugueses se reviram nos comportamentos partidários dos últimos dias? Infelizmente, creio que não. E isso, por si só, para além de ser mais um prego no caixão dos encantos que política deveria merecer, obriga-nos a mais uma reflexão profunda.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 9 de Junho de 2009.

sábado, 30 de maio de 2009

HAVERÁ INTELIGÊNCIA NO ALGARVE?

As próximas palavras não são, nem poderiam ser, separatistas. Sendo algarvio, embora com costelas nortenhas, tal herança impede-me, em consciência, de ter uma visão geográfica míope. Aliás, como sabemos, embora alguns teimem em não ver/perceber isto, esta região é uma miscelânea social, e nessa diversidade, reside a sua força.
Portanto, feita esta introdução, que impedirá certamente os mais puritanos de me chamarem nomes, e sem querer entrar numa contradição, vamos à moda que impera no Algarve, nomeadamente no recurso tendencioso à pretensa inteligência que vem de fora.
Hoje, as pessoas que nos vêm vender alguma coisa, se forem da grande urbe, leia-se Lisboa, têm sempre uma porta aberta, porque, tal como são rotulados, são pessoas detentoras de uma sabedoria inigualável.
E pronto, lá temos de nos sujeitar a um conjunto de ideias que, muitas vezes, são um flop; reféns de medidas que até seriam bem pensadas se acontecessem noutro lado; votados a realidades que não têm nada a ver com a nossa e, essencialmente, ficamos à mercê de uma certa arrogância de quem se sente acima destes provincianos, ou seja, nós. Ainda por cima, pagamos a peso de ouro este conjunto de dicas, de façanhas e de propostas que esbarram nos orçamentos apertados que temos.
Não sou contra a aprendizagem com quem sabe. E, por isso, todos aqueles que vierem acrescentar métodos novos, abrir-nos os horizontes e trabalhar em prol de que esta região seja maior de idade com os seus contributos, tudo bem, assino por baixo.
Estas linhas são fundamentalmente para todas aquelas pessoas que não trazem nada de novo e apenas vendem o facto de terem alguns conhecimentos (que poderíamos fazer também se não tivéssemos a perder tempo com elas); que se sentem acima de todos (e descobrimos que, afinal, não são ninguém de especial nos seus sítios); que são ineficazes ou melhor dizendo, para que não restem dúvidas de semântica, são inúteis.
Senhores decisores, não nos façam de burros e parem de pensar que só os outros são bons. Com essa vossa atitude discriminatória, castrando os qualificados e capazes, só porque não vêm de Lisboa, têm ajudado a denegrir a inteligência que existe no Algarve.
A situação é tão grave que não consigo deixar de me interrogar o propósito de tudo isto. Eu desconfio, claro. Como quem quiser ser franco consigo próprio, também o fará. Só que apesar de muitos concordarmos que esta situação nos é desfavorável, ninguém rema em sentido contrário. Acobardamo-nos em nome de coisas que não interessam.
Desculpem-me estas palavras, mas ninguém melhor que os algarvios, seja por adopção ou por nascimento, conhece o Algarve e sabe o que deve e pode ser feito aqui.
Precisamos de aprender com quem sabe e não com quem pensa que sabe. Ora, não sendo esta uma qualquer birra literária, nem sequer um manifesto contra quem quer que seja, é antes um grito de revolta contra verdadeiros atestados de estupidez que nos têm sido passados.

Publicado no Jornal Barlavento, edição de 28 de Maio de 2009

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A SUBIDA DO OLHANENSE

Costuma-me dizer que quando se ganha, nada nos atrapalha e todos se encostam ao nosso sucesso. O caso concreto, sobre o qual irei escrever nas próximas linhas, exemplifica na perfeição, o espírito da frase que escolhi para iniciar esta crónica.
A recente subida do Sporting Clube Olhanense à Primeira Liga e o consequente regresso do Algarve aos grandes palcos desportivos, devem-nos encher de orgulho a todos. E, nesta palavra todos, devem estar aqueles que são algarvios como eu, mas também aqueles que defendem um alargamento geográfico dos campeonatos desportivos para que estes obtenham um outro estatuto.
Actualmente, sou sócio e dirigente do Portimonense Sporting Clube. E, se num primeiro momento, talvez por um qualquer egoísmo bairrista estúpido, pudesse ter ficado “incomodado” com esta façanha do vizinho, o facto é que não fiquei, porque entendo que há coisas que nos devem unir e não separar.
Enquanto acompanhante assíduo do intitulado desporto rei, nomeadamente através da evolução da situação da Segunda Liga, fui um espectador atento do que se passou no Olhanense e da estratégia que usou para conseguir este feito.
Obviamente não mencionarei a parte desportiva, pois o sucesso fala por si, mas quero antes abordar uma temática que me é bastante cara: a promoção do clube e as ideias que foram tomadas para aproximar o Olhanense das pessoas.
Neste campo, e apesar de estar tudo inventado, no último terço do campeonato, o Olhanense inverteu um certo sentimento de apatia e apostou no marketing, na presença de público nos estádios e foi conquistando, sem rodeios e de um modo eficaz, esse sentimento de pertença que amparou o clube.
Foi notório que tiveram condições para isso, e porque porventura, também existiram verbas para suportar esse esforço, vêem-se agora perante um feliz dilema: o que fazer para continuar esta dinâmica?
Eu sei o que é trabalhar sem verbas, ou seja, fazer os possíveis dos impossíveis, mesmo que ainda assim sejamos maltratados por aparentemente nada fazer. Por isso, gostava de poder aconselhar os meus vizinhos de Olhão a continuarem com esse esforço de aproximação do clube aos algarvios (porque os representarão a todos), alargando, com sabedoria e prudência, o seu campo de acção para uma outra dimensão que tem mais a ver com o campeonato que disputarão. Ainda que com os pés no chão, e com uma gestão rigorosa, faz falta pensar em grande para que se possam atingir outros patamares.
Para que o Olhanense não seja igual a tantos clubes, para os quais a subida de divisão foi um princípio do fim, é necessário que a sua equipa dirigente, nomeadamente quem trata da área da promoção e marketing, saiba apostar no público-alvo certo, nas campanhas que mais se adeqúem ao seu estatuto e aproveitar esta dinâmica de vitória que hoje faz toda a diferença.
No dia da vitória todos comparecem às festas. Mas há que distinguir as pessoas. Aquelas que raramente lhe pomos a vista em cima, devemos usar uma certa pedagogia para que possam estar mais presentes. Aqueles que estão sempre connosco, seja nos bons ou maus resultados, merecem um estatuto diferente e uma outra recompensa.

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 27 de Maio de 2009. Link: http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=94865

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A MORDAÇA

Anda muito na moda a expressão “usar a mordaça”. De um momento para o outro, alguns dos políticos dos maiores partidos portugueses, decidiram presentear-nos com tais ímpetos, num espectáculo que, mais uma vez, nos embaraça a todos.
Num tempo em que ainda se fala de liberdade, porque Abril passou por aqui há apenas alguns dias, colocar esse tema em cima da mesa merece uma profunda reflexão.
Ninguém é profundamente livre nos dias em que correm. Mas escrever isto soa a algo demasiado profano, principalmente num tempo em que julgamos a liberdade como uma conquista adquirida e irrevogável.
Não escrevo no singular, faço-o no plural e sem casos em concreto. Assim sendo, vejamos bem. Se por um lado somos livres para afirmar, defender e criticar o que muito bem queremos, no fundo, bem lá no fundo, quando é necessário manter essa posição, mas temos algo que nos impede, acobardamo-nos e todos, sem excepção, já sentiram esse medo e viveram essa experiência.
Claro que alguns iluminados me tentarão contradizer, afirmando que a sua liberdade nunca foi posta em causa. Entendo isso. Não os desminto nem isso valeria a pena.
Sei que, no nosso íntimo, muitas vezes, tentamos mascarar pequenas ou grandes faltas de liberdade com autênticas fugas para a frente, porque tal é mais fácil de aceitar, como se fosse uma mentirinha que contamos a nós próprios sem mais problemas.
A verdade nua e crua é esta. Nunca sentimos tanto medo como agora. E isso obriga-nos a ser prudentes e calculistas. Ora porque temos um emprego que precisamos de manter, ora porque os nossos familiares dependem de outras pessoas, ora porque devemos certo tipo de obrigações ou porque temos uma família para alimentar, entre outras coisas.
De vez em quando temos uns rasgos de coragem. E isso alimenta-nos a ambição de que podemos ter uma vida diferente. Mas, regra geral, caímos sempre no mesmo desespero de contar palavras e utilizar toda a prudência que pudermos para o nosso próprio bem.
Não se trata de uma profunda desilusão com a vida. É apenas o reconhecer que a vida em sociedade não é perfeita e necessita de uns retoques para poder ser melhor. E se até aqui não o tem sido, desconfio que só com um certo tipo de utopia podemos aspirar a que seja diferente.
Vão valendo algumas limitações e censuras a quem abusivamente pratica os condicionalismos de liberdade. Porém, esses até são fáceis de ser detectados e corrigidos. Mas o que vos descrevi aqui hoje não passa por aí. Há liberdades e liberdades. Há limitações e limitações mais ou menos visíveis. Há muita gente que explora a nossa liberdade, sabendo de antemão que a sua própria liberdade também está condicionada. É como se fosse um círculo vicioso onde andamos todos, sem excepção.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 21 de Maio de 2009.

terça-feira, 19 de maio de 2009

DESORIENTADOS DE ABRIL

Sejamos claros. Os motivos porque a revolução de Abril foi feita não o são. Nem tão pouco as causas que lhe estão adjacentes. Mas, os discursos tendenciosos, presos ao passado, sempre repetitivos e por isso monótonos, são aborrecidos. Admitamo-lo.
Embora nos digam que é preciso recordar as atrocidades que se cometeram no período da ditadura, tais memórias não ficam mais florescentes só porque teimam em fazer de Abril passado e não futuro.
A geração de quem vive em liberdade, e que tem muitos defeitos tal como tantas outras que a antecederam, precisa de novos estímulos e de uma pedagogia diferente.
Acredito piamente que em vez de catalogarmos de pré fascistas todos aqueles que defendem as causas de Abril mas não simpatizam com o estilo revivalista que o status quo impõe, deveríamos antes perceber os seus motivos e tentar adaptar o discurso a novos públicos, cientes de que só assim poderemos atrair em vez de afastar.
O ponto de situação sobre Abril de 74 é confrangedor. As pessoas, e aqui incluo muitas mais do que apenas as mais novas, não ligam muito às comemorações, acham que é tudo um aborrecimento, têm simpatia pela coragem de tantos portugueses mas deixam tudo nas mãos dos políticos de quem tanto desconfiam.
O dia vale por ser feriado. Os discursos que enchem noticiários ficam por isso mesmo e não são devorados por quem os deveria consumir. E pronto, lá se foi mais uma comemoração de Abril. Para o ano, certamente, haverá mais.
Assim não dá e isto não augura nada de bom. Onde é que encaixaremos aquela sensação de que as pessoas, para além de testemunharem Abril, vão poder dar um pouco da sua liberdade aos outros? Para quando os apelos à cidadania, à participação, ao associativismo, à crença de que todos poderemos dar algo de novo à sociedade?
Somos um conjunto de reféns da situação. Por um lado, somos de Abril porque alguém nos recorda tantos anos de opressão. Todavia, por outro, porque nunca o sentimos na pele, vacilamos quando temos de tomar decisões num mundo diferente e com contornos que não têm paralelo com o que havia antes de 1974.
Os mesmos que fazem discursos tão bonitos uma vez por ano, que vivem na sofreguidão das palavras, que contam os dias para ser Abril de novo, têm de perceber que há um conjunto de desorientados de Abril que dão valor a outras coisas e que não sendo pela ditadura (longe disso!!!), privilegiariam outras formas de discurso e outras abordagens.
Num tempo em que as pessoas precisam de clarificar os seus pontos cardeais, isto é, perceber para onde caminham. Num estado de coisas que vive e respira uma crise não só monetária, mas também de identidades e valores, é tempo de adaptar Abril ao futuro.
Só assim poderemos ensinar aos mais novos que no dia 25 de Abril, não comemoramos um dia de alguém em particular, pois ninguém tem direito de se apropriar de uma revolução, mas sim uma conquista de todos, independentemente das suas ideias sobre política ou religião.
Todos o sabemos. Apesar de tantas conquistas, apesar de tantas reformas e políticas ensaiadas, ainda falta cumprir Portugal. Ora, isso far-se-á no futuro, nunca no passado.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 14 de Maio de 2009.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

PARA LISBOA, CAPITAL DE PORTUGAL, APENAS ISSO?

Aprendi que na vida política, tal como naquilo que fazemos todos os dias, compensa ser honesto, dedicado e ter sustentabilidade nas nossas ambições e ideias. São esses valores, entre outros, que poderão marcar uma diferença quando nos temos de submeter a um qualquer tipo de escrutínio. Quem está do outro lado, quem nos ouve e pode decidir, merece, acima de tudo, esta transparência de comportamento, sob pena de nos castigar, isto é, não confiar no que dizemos ou até levar-nos ao ridículo.
Lembrei-me deste estilo político quando tive conhecimento da apresentação do "Apelo à convergência de Esquerda nas eleições de Lisboa", que segundo tive a oportunidade de ler recentemente, são um conjunto de pessoas que subscrevem uma convergência política na capital portuguesa.
Até aqui nada de novo. Aliás, a crítica que a seguir farei tanto poderia ser válida para a Esquerda ou para a Direita. Embora ainda seja daquelas que acredita que há seguramente muita coisa que as distingue, para o caso, não importa esta dicotomia ideológica. Interessa o conteúdo ou, se preferirmos, a falta dele.
Vejamos então os que os subscritores que há pouco mencionei, perto de duas centenas à data da apresentação, ambicionam. Será mais e melhor ambiente ou educação? Será o saneamento financeiro da autarquia? Será a promoção de uma cidade viva e atractiva? Não. Pelo menos, para já, e a avaliar pelas primeiras declarações prestadas, embora ainda possamos repescar a “intenção de ter um executivo mais forte e um programa mais rico”, entre outras ideias que ficaram para segundo plano, sendo seguramente aquelas que mais interessariam para o debate político, o que os move de facto é, e passo a transcrever, é a vontade férrea de “evitar que a Direita lidere o Executivo da capital” porque “seria uma vergonha abrirem-se as portas da Câmara de Lisboa à Direita”.
Não interessa, por isso, discutir outras coisas. O movimento é “uma espécie de barriga de aluguer para todos os que queriam a coligação” e seu ponto de partida restringe-se ao afugentar do bicho papão, encarnado, segundo dizem, por Pedro Santana Lopes.
Para além de ser triste, episódios como este, não trazem nada de novo à política. Apenas se juntam aos tantos exemplos que grassam por aí, numa cultura de desnorte político que tem afastado pessoas em vez de as juntar em torno de qualquer coisa com sentido.
Que exemplo dão um conjunto de pessoas respeitáveis, não duvido, mas que não sabem ou não querem defender as suas ideias, preferindo o insulto ideológico ao invés da afirmação política dos seus valores? Que cultura democrática é essa que não constrói, apenas destrói os outros? Que coerência é essa quando até na apresentação desta petição, os próprios subscritores, lembrando Abril numa sala cheia de cravos, não se inibem de criticar as forças políticas que tentam cativar?
O que pensar destes subscritores quando a ex-secretária de Estado do Governo PS e defensora deste movimento, Ana Benavente, afirma sem rodeios que o “o PS tem vindo a governar em maioria absoluta, de forma arrogante” ou quando critica indirectamente António Costa por ter feito uma coligação pós eleitoral, ou seja, uma “pesca à linha, onde depois se vai buscar um eleito por outro partido”, quando na plateia estava sentado o visado José Sá Fernandes, ex-candidato pelo Bloco de Esquerda?

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 30 de Abril de 2009

quarta-feira, 25 de março de 2009

AUTARCAS LOCAIS: O QUE TÊM PARA NOS DIZER?

A poucos meses das eleições autárquicas, a multidão agita-se. Sobram os eventos, muitos acima das reais possibilidades financeiras de cada autarquia; algumas das oposições lembram-se de trabalhar e da sua missão; aumentam as campanhas dos que estão no poder e daqueles que o querem conquistar; transbordam ideias e projectos e respectivas discussões. É uma algazarra. Foi e será sempre assim. Todavia, e acima de tudo, o que todos queremos saber, é algo muito simples: o que é que (honestamente) todos têm para nos dizer?
Como sabem, não defendo a crítica pela crítica quando falamos de política e políticos. Não são todos iguais e por isso não cabem todos na mesma malga da incompetência e mentira. É como em tudo na vida: há os bons e os maus.
Acontece é que fruto da minha passagem pela política activa (não remunerada) durante um período de quinze anos, essa experiência, principalmente agora que estou num momento de inactividade política, ajudou-me a reforçar a capacidade de poder analisar com alguma frieza e distanciamento a produção de conteúdos políticos.
Infelizmente, muitos dos políticos de hoje aborrecem e não têm nada de novo para nos dizer. Outros querem mas não o podem fazer e há ainda as excepções relevantes daqueles que nos dizem e fazem coisas fantásticas pelas nossas terras. É assim que eu os divido.
Vamos aos primeiros, os enfadonhos, aqueles que falam um politiquês cheio de palavras difíceis, pouco acessíveis à maioria das pessoas, abusando de termos técnicos que não esclarecem, apenas confundem. São estes que apesar de vencerem eleições continuam a cavar um fosso enorme com as pessoas, não contribuindo em nada para a aproximação das pessoas à política.
Há os outros: aqueles que querem dizer algo de novo mas não podem. E isto acontece devido à falência do seu projecto político (o que supõe uma mudança a breve prazo) ou porque não têm capacidade para enfrentar os novos desafios que se lhes colocam.
Finalmente, há aqueles que realmente acompanham as transformações diárias dos seus municípios e tomam decisões não só para hoje, mas também para amanhã. São os melhores, entenda-se.
Nas próximas eleições autárquicas, há milhares de portugueses que estarão atentos. Mesmo que muitos afirmem que estão divorciados da política ou que não gostem dela pura e simplesmente, no seu íntimo estarão à espera do que os seus políticos mais próximos (os da sua terra) têm para lhes dizer.
Eu, tal como todos, estarei à espera do mesmo. E atrevo-me até a sugerir algo. Nesse acto eleitoral concreto, atrevam-se a regressar às campanhas antigas. Usem e abusem das novas valências que o marketing político nos oferece, adaptando-as a cada público em concreto, mas devolvam-nos aqueles comícios à maneira antiga onde se explicavam as coisas detalhadamente e onde se conheciam as pessoas de perto. Façam-nos sentar para discutir ideias. Apresentem-nos soluções e projectos para o futuro. Sejam audazes na forma como nos abordam, sem quilos de canetas e porta-chaves, mas com imaginação, valores e ideias.

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 25 de Março de 2009. Link: http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=93083

segunda-feira, 16 de março de 2009

ESSE ALGARVE NÃO É PARA TODOS

Há por aí um certo Algarve que não é para todos. Um Algarve que aparece muito nas televisões, onde se apregoa um glamour e felicidade, como que se tratasse de um espaço elitista e pouco extensivo a todos.
O Algarve não é só isto. É mais do que isso. E restringi-lo parece-me estupidamente redutor, ao invés do que algumas cabeças pensadoras entendem como uma certa cultura de marketing que parece cobrir estas acções mediáticas.
Desde sempre que assumi que podemos ser muito mais do que somos. E esta aparente declaração de fraqueza não é, nem pode ser, um baixar dos braços. É um desafio que se renova todos os dias e que vai ao encontro das nossas legítimas ambições.
O meu Algarve não é apenas o local das festas de glamour, nem apenas o sítio onde o sol e praia se uniram há muito tempo. Não que tenha nada contra estas coisas, muito pelo contrário. Mas restringir uma região apenas a algumas ofertas, soa-me a confinar o próprio convite e interesse para que visitem o Algarve.
Assim sendo, é necessário esclarecer que o Algarve é um misto de emoções, e isto é importante para o marketing experimental porque cada vez mais as pessoas compram experiências; é um conjunto de locais que se complementam entre si através das suas diferenças, o que nos faz sentir que litoral e interior pode conviver garantindo uma oferta imbatível; é a soma das marcas de um passado longínquo que faz a nossa história e que, por vezes, merecia outra consideração e aposta da nossa parte; é a relação que mantemos com o mar, fonte de sustento de há muitos anos, mas também campo de inúmeras descobertas científicas e de tantas oportunidades desportivas; é a capacidade que temos de oferecer as festas e o tal glamour que vale pela aptidão de quem o produz; é uma região cada vez mais virada para os grandes eventos o que nos dá um sentido de qualidade e afirmação inegáveis; é a diversidade gastronómica que temos e que vai ao encontro de um espírito mediterrâneo que não só olha pela nossa saúde, como nos diferencia em relação aos demais; é um conjunto de serviços que garantem conforto e oferecem qualidade; é um local de saber receber, cultura alicerçada em mais de quarenta anos de portas abertas.
Isto é Algarve. E, dentro desta soma, faz-se uma região. Claro que com muitos problemas, muitos dos quais que teimam em prolongar-se no tempo, como que se tratasse de uma crise de identidade. Todavia, mesmo assim, neste cruzamento de vontades, de quem é algarvio, seja por nascimento ou por adopção, há um sentimento de que não somos só glamour, sol e praia. Somos muito mais. E isso é preciso afirmá-lo sem pudores.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 12 de Março de 2009, página n.º 14

quarta-feira, 4 de março de 2009

SENSIBILIDADE E BOM SENSO

Permitam-me um esclarecimento prévio. Nada tenho contra a iniciativa empresarial, nem sou particularmente defensor da luta de classes enquanto guerra aberta entre quem tem ou não o dinheiro e o poder. Por isso, no outro dia, para ficar chocado ao ouvir uma conversa entre empresários, foram necessárias considerações bastante insensatas.
A conversa começou pelas dificuldades económicas que todos sentimos. E são várias, como todos conhecemos de uma forma particularmente exacta. Mas, em vez de ouvir alguma compreensão, algum conforto e esperança, aquilo que escutei foi um coro de ideias pouco sensíveis e fatalmente egoístas.
O despedimento fácil, o alheamento total sofrimento dos outros, a facilidade em terminar com uma qualquer empresa ou investimento, a ausência de horizontes. Enfim, um perfeito rol de considerações que me deixaram tão perplexo quanto revoltado.
Creio que esta crise, tal como a conhecemos, toldou as mentalidades e trouxe ao de cima uma indiferença que marca estes tempos e que, essa sim, não augura nada de bom.
Sei que perante esta crise enorme, não devemos esconder a cabeça na areia, fingindo que nada se passa. Mas, mesmo assim, devemos nós aceitar o discurso de quem perante a falta de oportunidades parece não querer ripostar à crise? Devemos nós aceitar o facto de muitos estarem a aproveitar a crise para encerrar as empresas, sem razões aparentes, e, consequentemente, fazendo-o de uma forma fraudulenta, embarcando na crise e responsabilizando-a por erros de gestão que eles próprios cometeram?
Será que podemos aceitar levianamente que alguns empresários confundam as medidas de austeridade, que julgo necessárias para combater a crise, com políticas que primam pelo aumento zero e despedimento fácil, quando sabemos que muitos não dispensam o seu aumento de salário, independentemente da situação económica em que vivemos? O que sentiriam essas pessoas se vivessem amarguradas pelas dificuldades económicas que muitos sentem? Será justo ouvir de que apenas eles (os empresários) é que sabem o que se passa no mundo e que todos os outros são uns perfeitos ignorantes?
Sei que há empresários e gestores bons e maus. E, seguramente, não os quero confundir. Todavia, é preciso esclarecer que estas pessoas, nomeadamente aqueles que não têm escrúpulos, têm imprimido um pessimismo à crise que vai além do que é razoável. E pior. Parece que a aproveitam a seu belo prazer.
Assim sendo, quero separar o trigo do joio, isto é, manifestar a minha compreensão pelo drama que todos aqueles que querem jogar limpo sentem perante a crise. Para todos essas vai a minha admiração e desejo de que tudo isto passe rápido. Como já o escrevi anteriormente, acho que o Estado deve estar ao pé dessas pessoas, ajudando-as a lutar, dando-lhes oportunidades para que se salvem milhares de micro empresas e outras tantas de maior dimensão. É uma luta de todos e que a todos diz respeito.
Quanto aos outros, ou seja, aqueles que nada têm feito, aqueles que têm demonstrado pouca sensibilidade e nenhum senso, aqueles que se têm limitado a olhar para os mais castigados pela crise com um aparente desprezo, aqueles que têm agido de uma forma ilícita, seja no sentido legal ou moral, a todos esses, dedico-lhes o meu maior desprezo. Não merecem mais do que isso.

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 4 de Março de 2008. Link: http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=92461

terça-feira, 3 de março de 2009

A QUALIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS

Hoje em dia, as empresas espalhadas por esse mundo fora, procuram fidelizar clientes. E esta aposta, que desde há algum tempo inaugurou uma nova era, colocando o cliente no centro do negócio, precisa de ser bem estudada e melhor executada.
Não basta portanto, oferecer bons serviços no papel, publicitar um conjunto de boas acções, criar um dinamismo quanto ao diálogo com o seu cliente, se as empresas, no seus imensos momentos de verdade falharem rotundamente.
Avanço pois, enquanto exemplo do que escrevo, para um caso pessoal, sinónimo desta falha que, infelizmente, é comum a tantas pessoas.
Tenho um cartão de cliente de uma certa marca de automóvel. Esse cartão dá acesso a um conjunto de descontos, segundo o que está anunciado, permitindo também uma qualidade de serviço acima da média, incentivando a trocar euros por quilómetros.
Na semana passada, necessitei de um serviço imediato da oficina. Ao deslocar-me ao local fui atendido com correcção, encontrei a peça que necessitava, tendo sido instalada com rapidez (5 minutos). Todavia, no acto do pagamento deste serviço, fiquei estupefacto com o que me foi cobrado na mão-de-obra.
Interrogo-me como é possível uma falha tão grande no instante em que empresa se confrontou com as minhas necessidades e expectativas? E no seguimento desta questão, para quê perder então tempo a responder a questionários, a atender telefonemas, a deslocar-me religiosamente à oficina da marca para todas as revisões? O que ganho com isso? Porque é que fazem de mim um cliente especial se depois isso não se traduz na prática?
Desculpem-me a ingenuidade aparente destas perguntas, mas a verdade é que elas devem ser colocadas enquanto cliente que sou, sabendo perfeitamente que não serei o único a fazê-las.
Esta empresa, contra a qual nada tenho, nem interessa por isso aqui identificar, deve-se debruçar sobre estas questões e tentar rever a sua política de vantagens aos seus clientes, sob pena destes ficarem pessimamente impressionados.
Valeu a intervenção de alguém, que em nome da empresa em causa, me atendeu com uma atitude louvável, aceitando o meu reparo e prometendo alguma intervenção neste assunto. Aguardo pois.
Num sentido mais lato, ampliando este tema para as empresas de hoje, o facto destas estarem num mercado feroz, que é volátil, que muda todos os dias, que se rege muitas vezes pela política do mais barato e do pior, porque é isso que é mais fácil vender, não lhes deve obstruir os seus horizontes.
Quem quiser ganhar vantagens competitivas e alimentar com sabedoria esta presença no mercado, aliando a qualidade do serviço prestado com a fidelização cuidada dos seus clientes, tem de saber interpretar os pequenos gestos e oferecer efectivamente um serviço acima da média para todos, especialmente para aqueles a quem persuade a terem um relacionamento mais estreito, preferindo o lucro de um cliente que volta várias vezes ao invés de ganhar tudo saloiamente de uma vez só, perdendo, deste modo, clientes que nunca mais voltarão.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 26 de Fevereiro

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

ANJOS COM ROSTOS HUMANOS

Já ouvimos muitas vezes a expressão de que devemos fazer o bem sem olhar a quem. E, de uma forma ou outra, por mais solidários que sejamos, uma grande maioria de nós tenta dar o seu melhor nesse sentido.
São sentimentos que apesar de terem resguardo na religião, ultrapassam em muito essa filosofia, alojando-se também no campo de uma certa sensibilidade humana que nos deveria envolver.
Escrevo estas linhas no abstracto, sem mencionar nomes propositadamente. Esta crónica é como uma carta que vai além das suas próprias palavras e que tenta trazer algum conforto e justiça a tantas pessoas que, hoje em dia, lutam incessantemente para que os seus semelhantes tenham conforto, nas suas mais diversas acepções.
Fala-se muito de crise. Fala-se hoje, mais do que nunca, da ruína financeira em que grassam tantos homens e mulheres, mas esquecem-se os problemas consequentes, sejam directos ou indirectos de tamanha desgraça. E muitos deles resultam em condições de vida miseráveis.
Quero, por isso, saudar de uma forma afectiva todos aqueles que hoje se ocupam da acção social, seja por via profissional ou por mero voluntariado.
Sei que todos professamos a tal frase que escolhi para início deste texto. Mas sejamos honestos. Nem todos conseguem, querem ou têm tempo para colocar em prática tais desejos. Ficamos assim dependentes de autênticos anjos com rostos humanos que fazem da solidariedade mais do que meras palavras. E esse trabalho deve ser enaltecido.
Nestes tempos em que apelamos a tudo e a todos, em que nos movemos pela fé, quem a tem obviamente, em que nos sentimos impotentes para ajudar quem realmente precisa, em que sabemos que o auxílio tem de ir muito além das pessoas que sabemos que têm necessidades (hoje muitas pessoas sofrem em silêncio, ora porque têm vergonha de pedir ajuda ou porque a própria sociedade ainda é madrasta para quem está nessa condição), torna-se importante estimular um trabalho de campo que faça a diferença para quem nunca teve qualquer conforto na vida, ou que o faça regressar às pessoas que antes o tiveram, mas que por agora deixaram de o ter.
Seja a Maria, o Paulo, a Catarina, o Eduardo, seja que pessoa for. Sejam as Santas Casas, a própria Igreja, as autarquias, esses baluartes que nos acodem em primeira instância, sejam outras organizações governamentais ou não, que estão no terreno e que têm a consciência perfeita da gravidade do que se passa, todos merecem a nossa estima e o empenho para que, pelo menos, tenham condições para efectuar essa missão.
Num tempo em que se colocam em causa teorias económicas e modelos de sociedade, apelemos a um certo personalismo cristão, onde possa emergir um regresso efectivo aos valores de ajuda ao próximo. E, nesta matéria, tenhamos mais ou menos tempo, podemos sempre ajudar estes anjos com rostos humanos, e, por prolongamento, quem hoje tanto necessita de amparo.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 5 de Fevereiro de 2009, página 19

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

AOS 35

Desde há alguns dias que me devo a concretização de algumas promessas. Trata-se de uma dívida vencida, impossível de saldar nos próximos tempos, mesmo que ainda seja optimista, e que traduz uma certa falta de esperança que nos dá a todos um ar sombrio, muito aquém do que deveríamos ter por esta altura da vida.
Parece que os vencidos da vida continuam a fazer história. Chamemos-lhe assim, sem rodeios, àqueles que agradecem estar vivos, que o fazem com saúde, mas que mesmo assim acham, se tal for entendido como justo, que poderiam estar melhor na vida e ser alguém com outro impacto profissional.
Pelos 35 começamos a fazer muitas contas. E, se reconheço as dívidas entre aqueles sonhos de menino e algumas desilusões do agora senhor, é sinal que, mesmo sendo novo, iniciamos uma outra fase da nossa existência, mais exigente e muito menos complacente.
Aos 35 olhamos e analisamos de uma forma diferente tudo o que nos rodeia. Deixámos para trás uma certa utopia que nos acompanhava e entramos num certo tipo de quinta dimensão, de formas bizarras e com coisas que ainda nos deixam perplexos.
É certo que somos mais vividos. Sei que por esta altura já atravessámos experiências que nos fazem estar alerta e escolher melhor os caminhos que temos pela frente. Todavia, essas escolhas mantêm-se reféns de vícios entretanto adquiridos ou de uma forma injusta que a própria sociedade impõe e que já conhecemos de ginjeira.
Incutem-nos ainda que somos demasiado novos para atingirmos certos patamares, mas demasiado velhos para começar a sonhar com eles. Querem-nos responsáveis, mas negam-nos a responsabilidade de decidir porque há sempre alguém que, em última instância, se arroga ao direito supremo de o fazer. E vivemos, por isso, espartilhados.
Somos interpelados na rua, mais vezes do que era normal até aqui, como que se tivéssemos de apresentar um relatório de tudo o que conseguimos fazer até aqui. Uns conseguiram de facto ser doutores, outros são mais felizes com negócios ou posições cimeiras e outros atarantados, como eu, vivem assalariados à espera das tais oportunidades que nunca chegam. Eu, e outros milhares, certamente.
Depois a crise. Claro. A mesma crise que penaliza toda a gente, mas que não deixa de ser excessivamente castigadora para todos aqueles que, como eu, viram as suas prestações da sua habitação aumentarem de uma forma brutal, viram a sua qualidade de vida recuar inevitavelmente e se aperceberam que somos comuns mortais, com todos os problemas que andavam arredados de uma classe média, consciente dos problemas dos outros, mas desconhecedora de tantas dificuldades.
Aos 35 somos mais directos. Valha-nos essa capacidade de podermos dizer o que nos apetece, porque já aparecem os primeiros cabelos brancos e rugas, e por isso ganhamos estatuto, e ainda somos novos, o que nos mantém irreverentes.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 15 de Janeiro de 2009
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