terça-feira, 19 de maio de 2009

DESORIENTADOS DE ABRIL

Sejamos claros. Os motivos porque a revolução de Abril foi feita não o são. Nem tão pouco as causas que lhe estão adjacentes. Mas, os discursos tendenciosos, presos ao passado, sempre repetitivos e por isso monótonos, são aborrecidos. Admitamo-lo.
Embora nos digam que é preciso recordar as atrocidades que se cometeram no período da ditadura, tais memórias não ficam mais florescentes só porque teimam em fazer de Abril passado e não futuro.
A geração de quem vive em liberdade, e que tem muitos defeitos tal como tantas outras que a antecederam, precisa de novos estímulos e de uma pedagogia diferente.
Acredito piamente que em vez de catalogarmos de pré fascistas todos aqueles que defendem as causas de Abril mas não simpatizam com o estilo revivalista que o status quo impõe, deveríamos antes perceber os seus motivos e tentar adaptar o discurso a novos públicos, cientes de que só assim poderemos atrair em vez de afastar.
O ponto de situação sobre Abril de 74 é confrangedor. As pessoas, e aqui incluo muitas mais do que apenas as mais novas, não ligam muito às comemorações, acham que é tudo um aborrecimento, têm simpatia pela coragem de tantos portugueses mas deixam tudo nas mãos dos políticos de quem tanto desconfiam.
O dia vale por ser feriado. Os discursos que enchem noticiários ficam por isso mesmo e não são devorados por quem os deveria consumir. E pronto, lá se foi mais uma comemoração de Abril. Para o ano, certamente, haverá mais.
Assim não dá e isto não augura nada de bom. Onde é que encaixaremos aquela sensação de que as pessoas, para além de testemunharem Abril, vão poder dar um pouco da sua liberdade aos outros? Para quando os apelos à cidadania, à participação, ao associativismo, à crença de que todos poderemos dar algo de novo à sociedade?
Somos um conjunto de reféns da situação. Por um lado, somos de Abril porque alguém nos recorda tantos anos de opressão. Todavia, por outro, porque nunca o sentimos na pele, vacilamos quando temos de tomar decisões num mundo diferente e com contornos que não têm paralelo com o que havia antes de 1974.
Os mesmos que fazem discursos tão bonitos uma vez por ano, que vivem na sofreguidão das palavras, que contam os dias para ser Abril de novo, têm de perceber que há um conjunto de desorientados de Abril que dão valor a outras coisas e que não sendo pela ditadura (longe disso!!!), privilegiariam outras formas de discurso e outras abordagens.
Num tempo em que as pessoas precisam de clarificar os seus pontos cardeais, isto é, perceber para onde caminham. Num estado de coisas que vive e respira uma crise não só monetária, mas também de identidades e valores, é tempo de adaptar Abril ao futuro.
Só assim poderemos ensinar aos mais novos que no dia 25 de Abril, não comemoramos um dia de alguém em particular, pois ninguém tem direito de se apropriar de uma revolução, mas sim uma conquista de todos, independentemente das suas ideias sobre política ou religião.
Todos o sabemos. Apesar de tantas conquistas, apesar de tantas reformas e políticas ensaiadas, ainda falta cumprir Portugal. Ora, isso far-se-á no futuro, nunca no passado.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 14 de Maio de 2009.

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