domingo, 29 de junho de 2008

EXTRAORDINARIAMENTE SOLIDÁRIOS

Nunca pensei escrever sobre algo semelhante. Nem sei mesmo se quem vai ler estas linhas entende que se trata de um assunto que mereça particular atenção. Confesso, contudo, que esta história me deixou bastante sensibilizado. Até porque num tempo de grande competição e de pouca consideração de uns pelos outros, casos como este, puro e genuíno, são uma raridade. Mas, para além destas excepções ao mundo real, estes casos, são também uma ponta de esperança naquilo que temos de melhor, ou seja, a vontade de fazermos algo pelos outros, a troco de nada, a não ser o propósito de ajudar.
O exemplo de uma certa turma de mestrado na Universidade do Algarve é quase um caso de estudo. Não sendo caso inédito, e ainda bem que não o é, a sua união face aos exames que encontrou recentemente pela frente, concretamente a forma como reagiu aos mesmos, deixou-me deveras satisfeito.
Os alunos, devidamente organizados e capitaneados por um ou por outro colega, consoante o seu maior ou menor entendimento das matérias em apreço, perceberam que se deveriam unir para estudar durante várias noites e, durante esse tempo, foram-se entre ajudando de todas as formas possíveis para atingir os melhores resultados.
Ora mesmo que existam pessoas que não consideram esta atitude como merecedora de particular relevo, o facto concreto é que não há memória de muitos casos parecidos.
Já me falaram da solidariedade que existe entre os colegas da universidade Aberta. E é lógico que assim seja. Por duas razões. Primeira, porque não se conhecem mas dependem uns dos outros, dado o isolamento que têm pelo que é necessário que se ajudem mutuamente. Segunda, porque esse desconhecimento e as necessidades que têm são molas que aguçam essas vontades. Seja como for, tais razões jamais atenuarão a dignidade e o mérito dessa entre ajuda verdadeiramente notável.
Os casos que aqui relatei e outros exemplos que certamente existem por aí contrastam pois com tantos outros, onde depois de esgotado o ano lectivo, percebemos que os alunos de certas turmas nem se chegaram verdadeiramente a conhecer nem quiseram ter este espírito de sacrifício colectivo, ora porque não puderam ou porque não quiseram.
Qualquer instituição de ensino tem como missão ensinar. Presume-se que educar, no sentido restrito dessa mesma educação, isto é, dos modos como encaramos a vida, já venham de casa. E o que acabei de escrever é tão importante que merece que o sublinhe, particularizando uma situação. De entre os demais, destaco e elogio o sacrifício de algumas pessoas que para além de serem bastante inteligentes e excelente alunos, não se escondem atrás dessas qualidades mesquinhamente, mas preferem partilhar esses saberes com os seus colegas, abdicando do seu tempo, de uma forma gratuita porque fazem questão que os outros tenham oportunidades para terem sucesso. Tais atitudes apenas estão ao alcance das grandes pessoas.

Publicado no Região Sul, edição de 25 de Junho de 2008

MUSEU RURAL DA QUINTA DOS AVÓS

Parte daquilo que somos, devemos sempre partilhar, de forma a podermos sempre saber de onde viemos e o que fomos. Esta orientação, ou máxima, se preferirem, esteve bem presente aquando de uma visita que efectuei, há algumas semanas atrás, ao Museu Rural da Quinta dos Avós, anexo a uma conhecida casa de chá, onde se pode saborear o que ainda se faz de doçaria tradicional do Algarve.
Mais do que fazer publicidade, e seria perfeitamente justificada porque está em causa uma qualidade de serviço e de sabores regionais naturais que importam realçar sem complexos, convém realçar, porque é isso é o cerne deste texto, a vontade que os seus proprietários tiveram em preservar um pouco da história recente, distante no tempo, mas ali tão perto e “ao sabor” dos objectos que representam um Algarve desconhecido.
Para ser honesto, e depois de tantas visitas que efectuei ao local (casa de chá), nunca tinha notado a riqueza que estava ao meu lado. Foi apenas quando cumprimentei a senhora Maria da Encarnação, proprietária da Quinta dos Avós, pela conquista do prémio «Aurum 2007 para a melhor artesã de comida tradicional europeia» que através do seu convite gentil, fiquei a conhecer o museu.
Fiquei perplexo. Para além da simpatia e das explicações detalhadas do proprietário, José de Jesus Gonçalves, claramente familiarizado com o espólio que orgulhosamente tem em exposição, tive a oportunidade de ver uma pequena colecção de veículos de tracção animal, na sua maioria provenientes da actividade agrícola, e um conjunto de objectos de excelente qualidade que permite a compreensão da evolução técnica e artística dos meios de tracção animal utilizados pelos algarvios até ao aparecimento do automóvel. Para além dos carros, a colecção reúne ainda um conjunto significativo de alfaias agrícolas, arreios, bem como de instrumentos de trabalho e de lazer. A tudo isto ainda se junta uma colecção gravuras e fotografias relacionadas com as peças ou com a história do museu, assim como, um contacto muito próximo com a história e a cultura etnográfica dos veículos tradicionais algarvios.
Segundo o que pude consultar, através do sítio http://www.jf-algoz.pt/museus.php, fiquei a saber que o museu realiza periodicamente actividades culturais que têm como objectivo a divulgação e valorização da cultura algarvia. Das principais actividades desenvolvidas destacam-se cantares de janeiras, artesanato ao vivo, festas dos santos populares, festa da desfolhada e passeios de burro.
Este projecto, que pelo que me foi dito, partiu de uma teimosia sã dos seus proprietários, merece um profundo reconhecimento. Merece mais até. É necessário que se olhe para este espólio como uma prova da vida de muitos algarvios e das dificuldades que sentiram em tempos em que nada havia, a não ser o trabalho árduo e sem condições que marcava um Algarve rural de que muitos nunca ouviram falar.
Para além de felicitar essa “teimosia” dos proprietários do Museu Rural da Quinta dos Avós, convido todos a visitar este espaço, fazendo votos que os responsáveis governamentais pela nossa cultura, saibam interpretar a potencialidade do que lá está e saibam ajudar a dignificar este espaço, contribuindo para que este espólio possa crescer e chegar a mais pessoas, entre os quais, os nossos jovens, tão necessitados destes contactos com uma história que julgam ser de outra galáxia.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 19 de Junho de 2008

ENGRAVATADOS VERSUS POVO

O título soa a luta de classes. Mas não tenho intenções que assim seja. Sou partidário de uma sociedade livre e justa, que premeie o mérito individual, e que seja um retrato interclassista, fiel a um relacionamento social que una em vez de dividir. Aliás, convém mesmo dizer que nada tenho contra as gravatas, porque também as uso ciclicamente. Assim, ao recorrer ao termo engravatados, mais não pretendo do que transmitir um certo sentido figurado do que julgo ser actual no nosso país. Para ser mais preciso, e indo ao encontro do assunto que pretendo aqui dissecar, direi que há hoje uma clara clivagem entre certos engravatados e o país real. Ultimamente, temos tido conhecimento, via comunicação social, de uma vasta proliferação de declarações públicas, por parte de algumas pessoas que nos invadem as nossas casas, entre as quais governantes, empresários de topo ou certos representantes de classes profissionais consideradas de elite, com um certo tipo de linguagem inapropriado.
Não sei em que mundo é que vivem, mas, facilmente, chegamos à conclusão que não deve ser no nosso, aquele que é real e que tem sido palco de conflitos sociais, numa espiral que se tem vindo a agravar exponencialmente. Julgamos até, face a tudo o que ouvimos do alto das suas cátedras, que as suas considerações são perfeitamente abusivas e que, se não soubéssemos que por princípio não nos querem mal, seríamos tentados a pensar que sentem por nós um profundo desprezo.
Só assim se justifica a ligeireza com que se referem ao nosso futuro, sempre com a justificação de que não podem fazer nada contra os problemas que nos assolam, porque assim tem de ser e em nome de um conjunto de princípios e restrições que só a nós se aplicam, deixando no ar a ideia que nem todos respeitam os sacrifícios pedidos.
Vejamos o caso do aumento sucessivo do preço dos combustíveis. Tendo por base um conjunto paupérrimo de declarações públicas de alguns dos nossos governantes e de uns certos tipos engravatados que lideram o sector petrolífero, interrogo-me se aquelas pessoas se importam cada vez que existe um agravamento das nossas condições de vida.
Esta pergunta torna-se ainda mais pertinente quando nos sentimos violentados na nossa consciência ao ouvirmos da parte do Ministro das Finanças que se deve poupar mais, mas ao mesmo tempo se observa um Estado pouco controlador. Ou ainda quando ouvimos alguém de uma empresa petrolífera observar que não pode baixar o preço dos combustíveis porque com o lucro existente (pouco na sua opinião) tem de pagar o seu salário e dos seus colaboradores.
Há claramente um fosso entre os engravatados do nosso país e o país real. E isso percebe-se pela omissão de ideias e de políticas que estanquem a degradação social que, infelizmente, não tardará. Esta falta de sensibilidade e este desfasamento entre as dificuldades que muitos sentem e algumas pessoas que vivem noutra dimensão preocupam-me. Por mais posições de destaque que certos engravatados hoje detenham, isso não lhes dá o direito de “desconsiderar” as dificuldades que o cidadão português comum sente, e que ao invés de uma certa protecção que deveriam promover, ainda somos brindados com declarações que invocam uma altivez que é exagerada e até ofensiva.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 5 de Junho de 2008

domingo, 1 de junho de 2008

NÃO, SENHORES MINISTROS.

Não posso dizer que me sinto desiludido convosco, porque isso seria admitir que alguma vez me teria iludido, mas a verdade é que me sinto desapontado, para não escrever uma palavra menos agradável, com o chorrilho de asneiras que, V. Exas., Ministros da Economia, Manuel Pinho, e das Finanças, Teixeira dos Santos, têm balbuciado nos últimos dias a propósito do aumento assassino dos combustíveis em Portugal.
Não vou ao encontro dos facilitismos. Nem procurarei defender medidas fáceis a pedido porque sei que muitas vezes enterram mais o problema do que o resolvem. Estejam, por isso, descansados. Todavia, quando ouço que o nosso governo jamais irá baixar o imposto sobre os combustíveis, preferindo amplificar um problema social a interagir com as armas que dispõem nesta aventura desgraçada, sou obrigado a pensar que tipo de pessoas são estas, legítimas representantes do Estado, mas que não cumprem os requisitos para o defender com sensatez e perspicácia.
O aumento sucessivo dos combustíveis não tem razão de ser. As palavras que têm justificado essas medidas também não. E a inércia do nosso governo muito menos ainda. Trata-se, portanto, de um embuste que alguns (merecíamos ao menos saber quem) estão a fazer a milhares de portugueses, que como eu, não têm outra alternativa senão continuarem a contribuir com os seus euros sabe-se lá para que interesses. E, ainda por cima, para cúmulo desta situação, quando nos queixamos, quando propomos soluções para esta crise social, ainda somos apelidados de tudo o que aqui tenho vergonha de reproduzir.
Pergunto que defensores são esses e que Estado preconizam? Ao abrigo de uma contenção de despesa pública, que falha sistemática e escandalosamente, vão-nos obrigando a correr sozinhos para um precipício certo. E o pior não é isto. Mau mesmo, é sabermos que todos nós, contribuintes e carecidos de abastecer semanalmente, parecemos aquelas pessoas que estão a morrer de sede e ao seu lado aparecem duas almas, neste caso, com muitas responsabilidades neste assunto, que tendo duas garrafas de água, nos dizem que não podemos consumir. É este o sentido figurado desta crise.
Acredito num estado justo que dê a liberdade aos seus cidadãos de optarem, que lhes ensine primeiro a pescar antes de poder dar ou não a cana, mas que os auxilie quando tal é verdadeiramente indispensável.
Os quase vinte aumentos sucessivos dos combustíveis são uma vergonha nacional. E, mais do que isso, é um erro global que muitos já diagnosticaram, mas que alguns teimam em dizer que está tudo bem, preferindo assobiar para o lado.
Olhem para a nossa vizinha Espanha. Principalmente aqueles que vêem em Zapatero um exemplo a seguir compreendam porque é que ao mínimo sinal de abrandamento da sua economia o primeiro-ministro espanhol se reuniu com os agentes económicos. Depois façam a devida comparação com as declarações infelizes dos dois ministros acima referenciados. Só pode ser mesmo uma brincadeira infeliz, não acham?

Publicado no Jornal Barlavento, edição de 29 de Maio de 2008

OS JOVENS E A POLÍTICA

«O Presidente da República reuniu-se, no Palácio de Belém, com cerca de 30 dirigentes de Associações de Juventude para debater o tema da participação cívica e política dos jovens e as razões que os motivam ou afastam de um maior envolvimento. No encontro, sob o tema "Os Jovens e a Política", participaram os líderes das organizações partidárias, académicas, de voluntariado, sindicais e empresariais e do associativismo juvenil, todos representados no Conselho Nacional da Juventude.»
Foi, desta forma, que o sítio da Presidência da República (http://www.presidencia.pt), comunicou uma iniciativa que vem na sequência das preocupações manifestadas no discurso proferido na sessão comemorativa do 25 de Abril, na Assembleia da República, e que pretendeu dar relevo aos contributos e propostas dos jovens no sentido de uma maior aproximação entre os mesmos e a política.
Na minha opinião, esteve muito bem o senhor presidente. Por diversos motivos que se enquadram numa preocupação com o futuro de Portugal no saber pensar, estar e viver.
Tenho escrito muitas vezes que vivemos o tempo da lassidão. Os jovens não sabem de nada, não se importam com temas “secantes”, como eles próprios os definem. Por um lado, querem ser o futuro, por outro, rejeitam o presente, na esperança de um futuro que anseiam mas que com o qual agora se aborrecem.
Também eu fiquei chocado com o estudo que demonstra inequivocamente o "total alheamento" dos jovens face à política e a insatisfação geral dos portugueses face ao funcionamento da democracia no país. Nada que me espante, confesso. Mas ainda me choca estar frente a frente com uma realidade que é culpa de todos.
Actualmente, com a provável falência da participação livre e apaixonada e com a mais que provável falência do associativismo, estamos naquela linha que nos marca o ponto de não retorno. Ou agimos e ganhamos. Ou ficamos como estamos e perdemos. Tão simples quanto esta equação.
Urge, por isso, prestar atenção a quem ainda quer fazer algo que aproxime as pessoas da política, do associativismo, da participação apaixonada e do dar de si sem pensar em si.
Estes são os desafios que corajosamente o Presidente da República colocou na agenda. Fê-lo com a serenidade que o caracteriza, sem que isso perturbasse ou minimizasse a preocupação que existe sobre a matéria. Torna-se importante pois, olhar com atenção para as recomendações finais deste encontro, dirigidas ao Governo, Autarquias, Média e ao próprio Presidente da República, entre outros, e tentar ver nesses conjuntos de palavras, pistas para agir de uma forma rápida e eficaz.
Em suma, os jovens reunidos no Palácio de Belém, defenderam que se deveria: Promover a formação de líderes e dirigentes associativos juvenis; Promover o reconhecimento e valorização das competências adquiridas ao nível do voluntariado e do trabalho associativo; Integrar a formação cívica nos planos curriculares, sobretudo ao nível do primeiro ciclo, de uma forma mais evidente; Promover um plano de acção estratégico a nível local, envolvendo as várias instituições locais, desde clubes desportivos, associações de carácter recreativo e cultural, até aos próprios organismos do poder local, entre outras, no sentido de estimular o interesse dos jovens pela política e pelo exercício da cidadania, Potenciar o papel dos Conselhos Municipais de Juventude; Criação de mecanismos que facilitem o acesso à informação por parte dos jovens, nomeadamente com base nas novas tecnologias, para que as dificuldades logísticas de acesso à informação não sirvam nunca de desculpa para a ausência de participação; Envolver os órgãos de comunicação social na promoção da aproximação dos jovens à política, através de uma maior divulgação das actividades desenvolvidas pelas organizações juvenis, no sentido de colocar sempre as questões de juventude na ordem do dia; Continuidade da aposta nesta política, baseada numa magistratura de influência, que tem o condão de trazer as questões da juventude para a ordem do dia.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 22 de Maio de 2008
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