segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ONTEM, CUMPRIMENTEI UM HERÓI

A vida é feita de “pequenos nadas”. Todavia, por vezes, esses “pequenos nadas” são coisas muito importantes e vão muito além da mediocridade de espírito que por aí grassa e com que muitos vivem todos os dias.
Há muitos anos atrás, ainda a dimensão da cidade de Portimão se confinava a um amontoado de casas, nessa altura já com alguma importância, mas muito aquém do grande aglomerado urbano de hoje, um homem, igual a tantos outros, porém, com uma coragem enorme, ficou na história devido ao seu gesto pronto e decidido.
Conta o próprio que na noite de 24 de Janeiro de 1937, o barco grego «Spyros» seguia de Istambul para Hamburgo, quando se aproximou da costa algarvia para se proteger de um forte temporal. A aproximação acabou por ser fatal, pois, a cerca de 500 metros da Praia do Vau, embateu nas rochas dessa baía e acabou por se afundar rapidamente.
A notícia correu depressa em Portimão. Nessa noite fria e chuvosa, Abel Silva, hoje com a bonita idade de 92 anos, mas na altura um jovem franzino de 21 anos, com um metro e sessenta de altura, embora, como o próprio reconhece, com uma grande energia devido aos diversos desportos que então praticava, não hesitou perante as ondas fortes que faziam na pequenina Praia do Vau e lançou-se às águas frias, procurando as vozes que ouvia na escuridão da noite.
Ao longo de duas horas, conseguiu resgatar com vida 18 náufragos, sendo ajudado em terra pelo seu amigo Paquito que ajudava a puxá-los com uma corda. Este enorme gesto, valeu ao jovem herói Abel, que se debateu de uma forma leonina, uma condecoração através de uma medalha de ouro da Real Marinha Grega, «por ter salvo, com perigo da sua vida, os náufragos do barco de carga grego Spyros». Do Instituto de Socorros a Náufragos português, recebeu uma medalha de bronze.
Abel Silva, que já mereceu uma grande referência ao seu feito através de vários órgãos de comunicação social, é uma pessoa simples, bastante lúcida, apesar da idade, e ainda hoje com uma força de viver impressionante.
Cruzei-me com este herói de carne e osso há muito pouco tempo. Tive o prazer de o felicitar pela coragem que demonstrou, apenas ao alcance de pessoas com uma dimensão humana extraordinária.
Encontrei Abel Silva numa justa homenagem que o Rotary Club da Praia da Rocha lhe proporcionou, atribuindo-lhe, justamente, a denominação de profissional do ano 2008. Está de parabéns o homenageado pelas razões bastante óbvias que aqui aduzi, mas também, e é importante que o escreva aqui, os rotários em causa, merecem um enorme elogio por terem referenciado alguém com esta dimensão e, principalmente, por o terem feito quando este herói ainda está vivo e com saúde.
Num país em que só nos lembramos de homenagear as pessoas quando morrem, esquecendo-nos deles em vida, esta clarividência merece uma enorme saudação.

Publicada no Jornal Região Sul, edição de 22/10/2008
link http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=89113

INEXPLICÁVEL

Percebo pouco de economia e, confesso, os números fazem-me confusão. Mas, mesmo assim, dentro deste défice pessoal de que não me orgulho, consigo descortinar bem o papel inverosímil das nossas petrolíferas, nomeadamente as de maior expressão.
Todos sabemos que os combustíveis com que abastecemos hoje foram negociados há três meses. Esse é, ou deveria ser, o preço de referência para que as petrolíferas pudessem negociar o produto final. Todavia, não o é.
Assistimos com algum nojo, sentimento que cresce e que terá brevemente consequências imprevisíveis, a uma estranha cultura financeira e que se regula por regras, no mínimo, pouco éticas. Isto é, se os preços estão muito altos o consumidor é imediatamente penalizado. Ora porque há problemas que interessa debelar, ora porque somos nós que temos de suportar esses delírios petrolíferos. No entanto, se o preço desce, como é presentemente o caso, é-nos negada uma baixa correspondente dos valores a pagar porque a situação ainda não está consolidada, assente no pretexto de um "mal-entendido entre a baixa do crude e dos refinados”.
A discrepância assente nos números que nos demonstram que de Dezembro de 2006 ao mesmo mês de 2007, o gasóleo subiu 17,2% em Portugal enquanto que o preço do petróleo, 1,5% em euros, soa a comportamento falso. Pior. Soa a roubo e ultraje.
Neste novelo de várias interpretações, onde o próprio governo já deveria ter intervindo com alguma força, apesar de não ser uma competência directa, surgem afirmações para todos os gostos, mas que confirmam o óbvio, ou seja, a baixa do preço do petróleo não se reflecte, proporcional e simultaneamente, na descida do custo dos combustíveis em Portugal.
O ACP fala mesmo em "oligopólio em termos de refinação no mercado" português. O presidente da Anarec – Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis –, na data em que escrevo este artigo, pretendia entregar um documento na Autoridade da Concorrência se os preços dos combustíveis não baixarem, seguindo a descida do petróleo. Até o próprio ministro da Economia, Manuel Pinho, depois de perceber o que está em causa, considerou “positiva a descida do preço de petróleo” esperando todavia, como é sua "obrigação", que as petrolíferas "também baixem" o preço de venda ao público.
É certo que a economia está mal. Todos reconhecemos também que a especulação esteve instalada até há poucos dias no sector petrolífero. Todavia, não aceitamos que nos contem meias verdades, nem tão pouco que nos façam de tolos. Ao assistir ao excessivo poderio e arrogância com que as principais petrolíferas nos têm tratado, interrogo-me se não haverá uma lição justa para lhes dar?
Perdoem-me este julgamento sumário, mas, na minha opinião, já a estão a merecer há muito tempo. Haja coragem para a aplicar.

Publicada no Jornal Região Sul, edição de 1 de Outubro de 2008
link http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=88183
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