Faz hoje precisamente sete anos que
vim falar aqui, nesta data de boa memória para todos os que sendo democratas vêem
em Abril, mais do que uma propriedade, um sentimento de causa, de sonho e de
esperança.
Não me privarei de dar o meu testemunho
pessoal, garantia que as próximas palavras têm rosto, sendo da minha autoria e
responsabilidade o alcance das mesmas.
Permitam-me pois que deslize para
o tema em concreto e que também, num tom de reflexão provocatória, possa afirmar
que Abril tal como nos falam desde há algum tempo, embora vivo nas causas e
convicções de uma sociedade livre e democrática, está gasto nas palavras.
Muito mais do que uma aparente
heresia, se formos justos na análise, não deixaremos de concluir que são sempre
os mesmos discursos, as mesmas intenções, as mesmas desculpas e as mesmas
acusações.
E isto assume proporções que
convém não menosprezar sob pena de estarmos a condenar tal evocação a um
esquecimento que ninguém pretende.
Situemos pois o problema.
Tantos discursos monótonos e
iguais, sem inovação nem enquadramento, levaram os mais novos e também os que
já não o são, a olharem para o feriado do 25 de Abril como mais um dia em que,
se houver calor, é motivo de descanso e lazer, pouco importando o resto.
Bem se podem fazer cerimónias
públicas, homenagens, jantares, evocações e outros eventos semelhantes que,
enquanto não se discutirem novas ideias, enquanto não se disser nada de novo às
pessoas, estaremos sempre a falar do mesmo e, na mais indescritível ironia, a
evitar que Abril se concretize num dos pilares da sua essência, isto é, do
desenvolvimento.
Quem não entender isto,
resumir-se-á a catalogar estas ideias como verdadeiros atentados ao 25 de
Abril, mas nunca compreenderá que a sua estranha obsessão pretensamente
ideológica, é o antónimo daquilo que Abril quis e quer representar.
Quem se refugiar nos espartilhos
de pensamento, entretanto consolidados pelo tempo, e não aceitar ideias
contrárias desde que joguem o jogo da democracia, estará a negar o próprio
espírito democrático que tanto apregoa, mas que na prática não o usa.
Quem se refugiar apenas nos CD’s,
livros e outros artigos que oportunistamente se vendem nesta altura, só porque
é giro ser de Abril, estará a pactuar com um acantonamento da causa, em
detrimento de uma profunda reflexão que dure muito mais tempo.
Quem quiser ficar preso ao tempo,
julgando que esse é o melhor contributo para a promoção de Abril, nunca
entenderá que a sociedade se afasta cada vez mais das palavras cansadas e
monótonas porque, simplesmente, elas já não trazem nada de novo.
O desafio é este. O que é que
Abril pode trazer de novo às pessoas. Certamente há algo. E quando o
descobrirmos, porque há razões para o descobrir, ganharemos efectivamente Abril
e tudo o que tantos homens e mulheres sonharam.
Importa adaptar Abril aos novos
tempos, inserindo-o correctamente no século XXI, evitando esse afastamento que
a olho nu já é perceptível.
Nesta matéria, os partidos
políticos, enquanto pilares fundamentais da democracia, tal como a concebemos
há alguns anos, têm de dar algumas respostas e contributos.
O cenário não lhes é muito
favorável…
Numa altura em que está consumado
o divórcio entre as pessoas e os partidos políticos.
Num tempo em que se chama a
atenção para as dissonâncias entre o que se diz em politiquês e aquilo que de facto se comenta nas ruas, entre os
cidadãos.
Numa época em que quando falam os
políticos é necessário encontrar todos os subterfúgios para que as pessoas
fiquem para os ouvir.
Numa altura em que a taxa de
abstenção dos diversos actos eleitorais assume proporções que são deveras
preocupantes, urge repensar tudo ou quase tudo sem preconceitos nem receios.
Centremo-nos pois no papel dos
partidos políticos.
Nada tenho contra a sua existência
nem alinharei nunca num discurso que tentasse ferir de morte a sua utilidade. A
minha sólida formação democrática impede-mo. Mas em consciência, não posso nem
devo abstrair-me de uma percepção crítica aquando da análise que é necessária
sobre o que está menos bem.
Hoje reproduzem-se ideias avulsas
e pouco atractivas. Aliás, se fossemos rigorosos, poderíamos dizer mesmo que
são cansativas.
Pedem-se portanto novas formas de
intervenção junto das pessoas. Os partidos políticos têm que entender isto de
forma a poderem potenciar um conjunto de situações que os ajudem a reconquistar
a atenção de uma sociedade órfã e desorientada.
É tempo de se comparar
infindavelmente aquilo que se discute nas sedes partidárias, confrontando com
aquilo que efectivamente se discute nas ruas.
Há quanto tempo não sabem os
partidos políticos o que de facto preocupa as pessoas?
Quem escolhe a agenda política,
como é que sabe que são aqueles os temas sobre os quais deve falar e não são
outros?
Com que bases científicas se faz
política hoje?
Importa reflectir sobre isto
tudo, porque sinto a causa política a definhar. E não sou só eu que o penso.
Aliás, o maior perigo não é sequer pensarmos, é deixarmos que isso aconteça num
estranho silêncio mordaz e incómodo.
Poderia ir buscar mil exemplos do
que acabei de dizer. Palavras que suportassem esta ideia são às centenas pelas
entrevistas, pelos comentários, pelas análises que vemos todos os dias.
Procurei algo diferente que
talvez pela comemoração do 25 de Abril nos faça duplamente reflectir. E nada
melhor do que ir beber às palavras de um dos seus protagonistas um aviso claro
do que se passa.
Em resposta à questão, «o que pensa dos políticos e da política?»,
o Tenente-Coronel Mário Brandão, Capitão de Abril, responde: «Eu não quero depreciar os políticos, porque
todos nós somos animais políticos. A diferença é que neste momento os políticos
estão em descrédito e eu receio que o descrédito em que eles estão a cair se
venha a transformar num descrédito da política. E isso leva a que as pessoas aceitem
outros a decidir por elas.»
O problema está perfeitamente
identificado. E, honestamente, é este o medo que me consome há muito tempo,
sempre que tenho de analisar esta questão com os dados que dispomos.
Ora partindo do princípio, com o
qual estou de acordo, de que todos somos animais políticos, somos todos
obrigados a mudar o estado das coisas.
Do diagnóstico que tracei, entre
outras soluções e caminhos, deixo estes para reflexão.
Os partidos políticos têm de
crescer e ganhar uma outra maturidade que os faça recuperar o seu espaço e a
sua vitalidade.
São necessários novos temas,
novas reflexões e uma nova visão. É indispensável uma aproximação real às
pessoas.
Importa comunicar, comunicar e
comunicar. E fazê-lo é dominar todas as variáveis que lhe estão associadas, para
que as mensagens possam chegar o mais longe possível.
É importante que as pessoas
saibam aceitar novas ideias, desde que os seus protagonistas joguem o jogo da
democracia, condição essencial para manterem essa postura. Senão aceitarmos
isto, estaremos a promover novas ou velhas tendências que apenas necessitam um
curto espaço para se poderem multiplicar.
Importa que se façam campanhas
temáticas e que os partidos possam escutar as pessoas.
Importa que os partidos possam
abrir-se à sociedade civil, aceitando os contributos da sua militância ou de
quem é independente.
Importa trazer novos
protagonistas para a cena política.
Importa discutir os assuntos sem
tabus e sem que tenhamos de ser sempre obrigados a fazer a figura de
politicamente correcto, atitude tão depreciada pelas pessoas neste momento.
Importa que se vá para a rua, que
se contacte com as pessoas, que se não lhes apareça só nos momentos em que lhes
vamos pedir o voto.
Fazer política exige, nem tanto o
profissionalismo numa primeira fase, mas pressupõe como condição essencial que
a entrega de cada um, mesmo que seja de uma forma amadora, seja planeada,
estudada e correctamente executada.
Os partidos políticos fazem
falta. Não tenhamos quaisquer dúvidas. Todavia não podemos ficar à sombra dos
anos desta democracia, com alguns defeitos mas sempre com muitas mais virtudes,
e esperar que tudo fique na mesma.
As pessoas, precisamente aquelas
que se demitiram de serem animais políticos por desânimo ou que estão apenas
adormecidas, já não regressarão ao envolvimento político com canetas,
isqueiros, réguas ou autocolantes.
Hoje apenas regressarão com
gestos e feitos concretos.
É essa a responsabilidade dos
partidos políticos nos próximos tempos.
Numa altura em que passam 33 anos
sobre a data de 25 de Abril de 1974, é mais do que tempo para pararmos e
pensarmos.
Renovar a democracia e o seu
envolvimento é renovar Abril, pelo simples motivo que se estamos aqui hoje em
liberdade, devemos isso aos seus protagonistas, que ambicionaram, no geral, uma
democracia forte e participada.
Curvo-me pois perante os protagonistas,
que ao contrário de muitos pseudo abrilistas, se recusaram desde a primeira
hora a ter quaisquer mordomias que não fossem aquelas que todos os outros
supostamente também deveriam ter, conscientes que o seu gesto mais não foi de
que um sério contributo de cidadania.
Essa lição de humildade, que me
toca profundamente cada vez que leio algumas das suas entrevistas, choca de
frente com o cenário aberrante de vermos todos aqueles que foram aparecendo
sucessivamente ao longo destas décadas, mais ou menos por estas alturas,
ganhando até algum dinheiro com isso e que se apropriaram de uma causa que é
não é de ninguém mas de todos os democratas.
Esse Abril novo, que pretendeu
democratizar, descolonizar e desenvolver não pode ficar perdido em evocações
ideológicas espartilhadas nem ao alcance da falência das ideias e das causas.
Honrar Abril é falar de futuro. É
esculpir novas palavras. É sonhar de novo.
Há que olhar em frente. É este o
caminho que vos proponho do alto da minha insignificância etária, mas ciente e
convicto daquilo que vos propus.