sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

FALEM-ME DO FUTURO

Um dos álbuns dos Trovante, precisamente o último, tipo best of, tinha um nome curioso, Saudades do Futuro. Ora, são precisamente estas palavras que não me têm abandonado nem sequer por um segundo nos últimos tempos. E porquê?
Sabemos todos que não vivemos tempos fáceis. Estamos falidos ou em pré falência, andamos numa corda bamba que não é de boa moda e sentimo-nos inseguros como nunca nos sentimos antes. Este é o retrato da maioria de nós.
O que aí vem não é melhor. Todas as pessoas que nos entram pela casa dentro, nos últimos dias e meses, têm pintado um futuro negro, cada vez mais escuro sem qualquer tipo de misericórdia.
Não escondo que não gosto de viver iludido. Por isso, muitos daqueles especialistas que ouço quase todos os dias devem ter razões suficientemente fortes para tanto pessimismo. Ora, como sabemos, pessimismo gera pessimismo e, como tal, é normal que vivamos hoje todos desconfiados, amargurados e cientes de que tudo isso será muito mau mesmo.
Agradeço-lhes a sua sinceridade, mas questiono e a esperança onde fica? Se tudo for tão mau assim, sem um pouco de confiança, sem um pouco de vontade em que as coisas melhorem, valerá a pena viver em tamanha desgraça? O que diremos então aos nossos filhos? Que futuro terão eles neste mundo?
Sinto que tudo tem um tempo. Sei que não viveremos tempos fáceis, mas também sei que serão esses momentos que instigarão os seres humanos a superarem-se e a encontrarem formas de ultrapassar as dificuldades.
Chamem-lhe a crónica da ilusão. Digam que estas palavras são de um non sense que já não se usa, mas começo a ficar farto de tantas previsões negras, sem sequer se preocuparem em anunciar medidas que possam clarear tal escuridão.
Hoje vivemos uma moda do apocalipse e isso vende porque é notícia. Volto a escrever para que não restem dúvidas. Não quero viver na mentira, na ilusão porque sei que pior cego é aquele que não quer ver. Todavia, não podemos confundir o realismo com o pessimismo sem solução, nem a verdade com um eterno dramatismo atroz quando ele pode ser minorado.
Apelo aos políticos com responsabilidades e aos agentes financeiros que saibam falar com as pessoas. Que nos expliquem a crise, que nos falem a verdade, mas que saibam também conduzir as pessoas para as soluções que se impõem porque sei que na verdade, também podemos encontrar caminhos que nos protejam e alertem para novas maneiras de pensar e agir.
O desafio está lançado. E não é apenas porque é Natal. É porque não podemos admirar quem fala de esperança, quem saudámos recentemente pela sua eleição (Barack Obama), mas depois habitamos fechados numa concha hermética, vivendo do anúncio das desgraças, sem sequer semear a esperança e vontade de fazer um mundo melhor.

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 24 de Dezembro de 2008
link http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=90760

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

UM DIA PODEREMOS SER NÓS… OU JÁ O SOMOS?

Estar quase trinta dias sem escrever é complicado. Naturalmente, vamos juntando dezenas de ideias sobre assuntos que gostaríamos de abordar, e isso, quase sempre, reflecte-se numa vontade de querer falar sobre tudo, correndo o risco de não desenvolver em profundidade quase nada.
Porém, por estes dias, não falar da avaliação dos professores; da ideia profundamente agora provada de que andávamos a ser “roubados” escandalosamente quanto ao preço dos combustíveis; dos novos pobres (reportagem dramática, publicada na semana passada pelo JN); do passo positivo da Comissão Europeia para ajudar a estimular a economia da Europa, entre outros assuntos, é estar fora dessa avalanche de informação.
Perante tantos assuntos, todavia, nem pestanejei em escrever sobre a nova pobreza que por aí grassa e os novos tempos que se avizinham. Faz agora um ano que publiquei um artigo de opinião, intitulado Novos Pobres, em que assumia «que estes vão juntar-se fatalmente aos pobres que já existem. Acrescentava que nessa «soma infeliz cabem, desde há algum tempo, todas as famílias atingidas pelo desemprego e endividamento, o que as leva a não conseguirem cumprir as suas obrigações». Tal como havia lido numa reportagem sobre o assunto, «a chamada classe média, esganada pelos créditos ou apanhada nas malhas do desemprego crescente, constitui uma nova forma de pobreza».
Actualmente, nada mudou para melhor. Pior, a frase com que concluía o meu raciocínio na altura está cada vez mais presente, isto é, «a classe média, sempre a maior sofredora e vítima de todos os esforços necessários, está a esvair-se porque não aguenta o ritmo de uma sociedade que, por vezes, parece querer vê-la morta.»
Assim, perante os novos dados trazidos a público na semana passada, o próprio Presidente da República, Professor Cavaco Silva, destacou o trabalho das misericórdias no que se refere a "uma certa pobreza envergonhada" que existe no país, sublinhando que quem antes ajudava agora precisa de ajuda, acrescentando ainda que estão a surgir novas formas de pobreza e de exclusão social, fruto dos maiores riscos de desemprego que existem e das dificuldades de pagamento dos empréstimos para comprar casa que muitas famílias enfrentam, ou seja, a nova pobreza afecta pessoas que procuram esconder a cara no momento em que procuram ajudam.
As pessoas, ou seja muitos de nós, precisam de ajuda. Neste capítulo, e porque alguns membros do Vialgarve tiveram o prazer de jantar recentemente com o Professor Adriano Pimpão, responsável pelo Banco Alimentar Contra a Fome Algarve, torna-se imperioso reclamar o apoio para instituições como esta e outras similares, fundamentais na ajuda aos mais necessitados, assim como, também gostaria de realçar aqui o papel das misericórdias, que muito têm trabalhado em prol de milhares de pessoas.
Apelo pois ao envolvimento de todos quantos puderem ajudar. E nisso incluo, sobretudo, um apelo à consciência de todas as pessoas que lideram organizações, sejam governamentais ou não, que costumam estar acima de tudo e todos, habituadas a um distanciamento que choca qualquer um, mas que devem ser chamadas à razão para que possam ajudar quem mais necessita nestes tempos difíceis. O seu contributo, mais do que um acto de cidadania, é um dever moral.

Publicada no Jornal do Algarve, edição de 4 de Dezembro de 2008

domingo, 30 de novembro de 2008

TODOS PARECEM PERCEBER DE MARKETING

A frase já fazia eco na minha mente há muito tempo. De uma forma empírica, acrescento. Todavia, há alguns dias atrás, através de uma exposição de um docente, numa das suas aulas na Universidade do Algarve, tive a oportunidade de confirmar, de uma forma mais estudada, aquilo que suspeitava.
Está enraizado entre nós um sentimento de que todos “somos letrados” em marketing. Todos damos opiniões, acrescentamos ideias aqui ou acolá porque achamos que assim fica melhor e decidimos esta ou aquela estratégia porque nos cheira a vencedora. É mesmo assim: à boa maneira portuguesa!
Ora, isto dentro das organizações, sejam elas quais forem, assume diferentes contornos, provavelmente com outros problemas associados.
Há muita gente que entende o marketing como uma ciência fantasiosa, e por isso de dimensão menor, daquelas que nem vale a pena prestar muita atenção. Daí estas constantes interferências porque, à boa maneira do mero pensamento da gestão pela gestão, essas “ideias de marketing”, são preconizadas por gente que nunca entenderá o funcionamento de uma organização. E assim, por vezes, se perdem excelentes contributos.
Hoje, o marketing, tem que ser visto de uma forma livre, mas enquanto conteúdo dos novos tempos com um certo valor acrescentado. Nem tudo o que o marketing produz é correcto nem está imune, tais como as outras ciências, às críticas por este ou aquele insucesso. As pessoas que estão nesta área, seja por formação, vocação ou pela experiência acumulada, são humanas e, por isso, capazes de errar, de uma forma igual às outras.
Seja como for, é inegável a expressão do marketing na formulação de novas estratégias, na perspectiva de um estudo cada vez mais completo do consumidor e como um excelente aliado da gestão integrada de uma qualquer organização. O marketing pode e deve ser o farol de novas ideias, a valorização dos produtos e serviços e até, porque caminhamos cada vez mais nesse sentido, um peão avançado na abordagem e explicação no campo das experiências.
Os departamentos de marketing e as pessoas que lá desempenham funções precisam de estímulos e não de desconfiança. Torna-se urgente que as organizações possam entender que há vida para além da gestão pura e dura, e que esta, em tempos como os actuais em que alguns modelos são postos em causa, precisa de novos enquadramentos, capazes de engendrar novos rumos.
Embora todos pareçam perceber de marketing, apenas aqueles que o souberem interpretar com alguma visão e que estejam livres do preconceito fantasioso que lhe está atribuído, serão capazes de poder apresentar resultados.
Evidentemente, isto apenas será válido, desde que sejam dadas as ferramentas para que isso seja exequível. Já bastam exemplos em que são pedidas ou criticadas a falta de algumas actividades, mas depois descobre-se que não se criaram as situações propícias para que as mesmas pudessem acontecer.

Publicada no Jornal do Algarve, edição de 30 de Outubro de 2008

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ONTEM, CUMPRIMENTEI UM HERÓI

A vida é feita de “pequenos nadas”. Todavia, por vezes, esses “pequenos nadas” são coisas muito importantes e vão muito além da mediocridade de espírito que por aí grassa e com que muitos vivem todos os dias.
Há muitos anos atrás, ainda a dimensão da cidade de Portimão se confinava a um amontoado de casas, nessa altura já com alguma importância, mas muito aquém do grande aglomerado urbano de hoje, um homem, igual a tantos outros, porém, com uma coragem enorme, ficou na história devido ao seu gesto pronto e decidido.
Conta o próprio que na noite de 24 de Janeiro de 1937, o barco grego «Spyros» seguia de Istambul para Hamburgo, quando se aproximou da costa algarvia para se proteger de um forte temporal. A aproximação acabou por ser fatal, pois, a cerca de 500 metros da Praia do Vau, embateu nas rochas dessa baía e acabou por se afundar rapidamente.
A notícia correu depressa em Portimão. Nessa noite fria e chuvosa, Abel Silva, hoje com a bonita idade de 92 anos, mas na altura um jovem franzino de 21 anos, com um metro e sessenta de altura, embora, como o próprio reconhece, com uma grande energia devido aos diversos desportos que então praticava, não hesitou perante as ondas fortes que faziam na pequenina Praia do Vau e lançou-se às águas frias, procurando as vozes que ouvia na escuridão da noite.
Ao longo de duas horas, conseguiu resgatar com vida 18 náufragos, sendo ajudado em terra pelo seu amigo Paquito que ajudava a puxá-los com uma corda. Este enorme gesto, valeu ao jovem herói Abel, que se debateu de uma forma leonina, uma condecoração através de uma medalha de ouro da Real Marinha Grega, «por ter salvo, com perigo da sua vida, os náufragos do barco de carga grego Spyros». Do Instituto de Socorros a Náufragos português, recebeu uma medalha de bronze.
Abel Silva, que já mereceu uma grande referência ao seu feito através de vários órgãos de comunicação social, é uma pessoa simples, bastante lúcida, apesar da idade, e ainda hoje com uma força de viver impressionante.
Cruzei-me com este herói de carne e osso há muito pouco tempo. Tive o prazer de o felicitar pela coragem que demonstrou, apenas ao alcance de pessoas com uma dimensão humana extraordinária.
Encontrei Abel Silva numa justa homenagem que o Rotary Club da Praia da Rocha lhe proporcionou, atribuindo-lhe, justamente, a denominação de profissional do ano 2008. Está de parabéns o homenageado pelas razões bastante óbvias que aqui aduzi, mas também, e é importante que o escreva aqui, os rotários em causa, merecem um enorme elogio por terem referenciado alguém com esta dimensão e, principalmente, por o terem feito quando este herói ainda está vivo e com saúde.
Num país em que só nos lembramos de homenagear as pessoas quando morrem, esquecendo-nos deles em vida, esta clarividência merece uma enorme saudação.

Publicada no Jornal Região Sul, edição de 22/10/2008
link http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=89113

INEXPLICÁVEL

Percebo pouco de economia e, confesso, os números fazem-me confusão. Mas, mesmo assim, dentro deste défice pessoal de que não me orgulho, consigo descortinar bem o papel inverosímil das nossas petrolíferas, nomeadamente as de maior expressão.
Todos sabemos que os combustíveis com que abastecemos hoje foram negociados há três meses. Esse é, ou deveria ser, o preço de referência para que as petrolíferas pudessem negociar o produto final. Todavia, não o é.
Assistimos com algum nojo, sentimento que cresce e que terá brevemente consequências imprevisíveis, a uma estranha cultura financeira e que se regula por regras, no mínimo, pouco éticas. Isto é, se os preços estão muito altos o consumidor é imediatamente penalizado. Ora porque há problemas que interessa debelar, ora porque somos nós que temos de suportar esses delírios petrolíferos. No entanto, se o preço desce, como é presentemente o caso, é-nos negada uma baixa correspondente dos valores a pagar porque a situação ainda não está consolidada, assente no pretexto de um "mal-entendido entre a baixa do crude e dos refinados”.
A discrepância assente nos números que nos demonstram que de Dezembro de 2006 ao mesmo mês de 2007, o gasóleo subiu 17,2% em Portugal enquanto que o preço do petróleo, 1,5% em euros, soa a comportamento falso. Pior. Soa a roubo e ultraje.
Neste novelo de várias interpretações, onde o próprio governo já deveria ter intervindo com alguma força, apesar de não ser uma competência directa, surgem afirmações para todos os gostos, mas que confirmam o óbvio, ou seja, a baixa do preço do petróleo não se reflecte, proporcional e simultaneamente, na descida do custo dos combustíveis em Portugal.
O ACP fala mesmo em "oligopólio em termos de refinação no mercado" português. O presidente da Anarec – Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis –, na data em que escrevo este artigo, pretendia entregar um documento na Autoridade da Concorrência se os preços dos combustíveis não baixarem, seguindo a descida do petróleo. Até o próprio ministro da Economia, Manuel Pinho, depois de perceber o que está em causa, considerou “positiva a descida do preço de petróleo” esperando todavia, como é sua "obrigação", que as petrolíferas "também baixem" o preço de venda ao público.
É certo que a economia está mal. Todos reconhecemos também que a especulação esteve instalada até há poucos dias no sector petrolífero. Todavia, não aceitamos que nos contem meias verdades, nem tão pouco que nos façam de tolos. Ao assistir ao excessivo poderio e arrogância com que as principais petrolíferas nos têm tratado, interrogo-me se não haverá uma lição justa para lhes dar?
Perdoem-me este julgamento sumário, mas, na minha opinião, já a estão a merecer há muito tempo. Haja coragem para a aplicar.

Publicada no Jornal Região Sul, edição de 1 de Outubro de 2008
link http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=88183

domingo, 21 de setembro de 2008

UMA GAVETA DE CULTURA

Parece que foi ontem. Todavia, entretanto, já passaram dez anos desde que um conjunto de pessoas interessadas em dinamizar o teatro, uma área até então com pouca expressão na cidade de Portimão, decidiu formalizar este projecto.
Lembro-me perfeitamente. O Paulo Quaresma, o Sandro Junqueira e eu. Calmamente, mas com aquela ansiedade e confiança de quem sabe que está a dar um passo importante, em Outubro de 1998, a dirigirmo-nos ao Cartório Notarial para cumprir os requisitos burocráticos obrigatórios.
Acrescentei esta referência não porque queira retirar quaisquer dividendos pessoais desse acto, mas porque me sinto profundamente honrado por ter feito parte dele. Aliás, como costumo referir, apesar de fazer parte dos seus órgãos sociais desde o primeiro segundo, por vezes, estou mais ausente do que presente, o que não invalida porém que não esteja sempre atento ao que se passa nesta associação.
Os objectivos d'A Gaveta passam por incentivar a pesquisa teatral, montagem e representação de espectáculos teatrais, promover cursos e oficinas de teatro, assim como acções socioculturais e ateliers de artes em geral. Em Maio de 1999, "A Gaveta" passou a ser associação cultural e tem na sua primeira década de existência um histórico impressionante de projectos culturais, de diversa índole, que são um importante cartão de visita.
Mesmo com a minha vaidade confessada logo no início destas linhas, e da suspeição natural que daí advém, creio que A Gaveta foi e continua a ser uma lufada de ar fresco em Portimão, no Algarve e porque não dizê-lo, com alguma expressão além fronteiras regionais, sendo que a este nível reside um dos desafios com que se terá de confrontar nos próximos tempos.
Mais do que falar do sucesso destes dez anos, o que facilmente se comprovará pelos projectos realizados e pelos apoios recolhidos a nível institucional, o que atesta a qualidade dos mesmos, importa olhar para o futuro e perceber a dimensão do que se pretende atingir.
Sem nunca perder o sentido de orientação, nem tão pouco renegar as suas origens, A Gaveta deverá, na minha opinião, caminhar no sentido da profissionalização, desde que saiba entender e dimensionar a sua vocação amadora, consubstanciada nos objectivos declarados em 1998.
A Gaveta não existe para ocupar o espaço de ninguém. Existe para ocupar o seu próprio espaço, cujo direito já adquiriu em virtude de todos estes anos de abnegação e de entrega dos seus elementos, nomeadamente, todos aqueles que estão ou estiveram sempre no terreno. E neste capítulo, justamente, sem quaisquer discriminações porque o êxito se deve a muitos, mas com o sentido de que tem havido alguém que tem puxado sempre por esta associação quer chova ou faça sol, devo elogiar publicamente o trabalho do Paulo Quaresma, presidente da direcção, e um impulsionador nato de todo o trabalho produzido.
Dez anos já passaram. Faço votos que venham muitos mais, dentro de um plano de crescimento bem elaborado, e onde as nossas instituições possam perceber que devem ser parte integrante deste contributo cultural.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 18-09-2008

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

AS SAPATILHAS DA JUNTA

Poderia começar pela parte mais fácil da questão. Bastaria ir até às declarações do atleta Marco Fortes, com a já celebérrima expressão, “de manhã, só estou bem é na caminha” e generalizar esta frase infeliz para o comportamento dos nossos atletas nas recentes olimpíadas que tiveram lugar na China. Todavia, se o fizesse, estaria a ser frontal com alguns que manifestamente ainda não têm arcaboiço para aguentar esta mediatização, mas estaria a ser profundamente injusto com outros tantos atletas sobre os quais tenho o maior respeito.
Embora não os conheça pessoalmente, quero escrever aqui, de uma forma livre mas apaixonada, sobre alguns deles, fazendo fé que estes são o topo da pirâmide de outros tantos que já competem ao mais alto nível ou se preparam para o fazer.
Ainda tenho uma bitola muito naïf quando se trata de avaliar as pessoas que são boas naquilo que fazem. Sempre detestei as vedetas pobres de espírito. Embora o que conte é que os profissionais, independentemente da sua arte, sejam bons naquilo que fazem, a parte pessoal deve acompanhar sempre a excelência dos seus feitos.
Por uma questão de escolha, e essa hierarquização tem como base natural a conquista da medalha de ouro, começo pelo atleta Nelson Évora. Por estes dias, é fácil louvá-lo. O país inteiro, e de uma forma justa, acrescente-se, elogia a sua conquista.
O que as pessoas não sabem, embora essas histórias comecem agora a serem tornadas públicas, é o esforço pessoal deste atleta e o seu percurso para atingir o sucesso. Ao subir a pulso na sua carreira, Nelson tornou-se num exemplo de alguém que consegue entrar no quadro restrito dos vencedores de uma medalha de ouro, que o consagra pessoalmente e que torna visível muitas horas de incerteza e de indefinição.
Uma palavra também para Francis Obikwelu, talvez extemporâneo na forma como abandonou os Jogos Olímpicos, atitude com a qual estou em completo desacordo, mas que não é suficiente para apagar as suas conquistas, as dificuldades pessoais que sentiu para as atingir, e, acima de tudo, a humildade com que nos pediu desculpa pelo seu último insucesso.
Finalmente, um dos casos que tive conhecimento devido a uma reportagem televisiva, mas que de uma forma cabal representa muitos dos problemas que assolam os nossos atletas, e que justificam muitas vezes que pessoas bem formadas e capazes não consigam competir nas mesmas circunstâncias do que os outros concorrentes.
António Pereira, atleta que entrou na modalidade da marcha de 50 quilómetros, é um atleta em part-time porque treina após as suas nove horas diárias de trabalho como electricista numa empresa de Nogueira da Maia. É grande o seu sacrifício.
Mesmo assim quando lhe perguntam porque é que anda nisto, responde: “ando porque gosto. Pelo dinheiro não é de certeza. Se trabalhar dois sábados na empresa, ganho o que recebo no clube por mês. É a paixão pela marcha que me move.”
António Pereira, marchador do JOMA, de 33 anos, conseguiu a sua melhor classificação de sempre em grandes competições, batendo a melhor marca nacional que perdurava desde 2004.
Em diferentes níveis tentei escolher atletas que são referências no desporto e fora dele. Não minimizando as conquistas do Nelson nem as outras recentes do Francis, certamente não me levarão a mal se enveredar pelo exemplo do António transportando-o para uma reflexão que creio ser necessária.
Há por aí muitos atletas que merecem o nosso apoio e compreensão. E se pensarmos que o marchador teve de recorrer a umas sapatilhas compradas pela junta de freguesia onde reside, compreenderemos que todos e quaisquer feitos que estes atletas consigam não só são vitórias pessoais, como serão exemplos que vale a pena difundir.

Publicada no Jornal Região Sul, edição de 3 de Setembro de 2008
link http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=87553

UM ALGARVE MAIS

Quero dedicar as minhas primeiras palavras para o início de um relacionamento entre o Vialgarve e a revista “Algarve Mais”, parceria que muito nos regozija, por reconhecermos o excelente trabalho que aqui tem sido feito. Pessoalmente, e porque será a primeira vez que aqui escreverei, devo acrescentar que me sinto feliz por finalmente nos encontrarmos.
Vamos ao assunto que quero aprofundar. Casar o título deste texto com o nome da própria revista, não é inocente. É ambicioso. Mas, acima de tudo, é algo que pretendo coerente com o que tenho vindo a escrever há anos e publicado frequentemente.
Eu gosto do Algarve. Porque nasci, porque cá resido, porque o sinto. E este sentimento de posse, não sendo utópico nem bacoco, é a expressão de quem sente que o Algarve pode e deve ser muito mais. Para isso, é necessário reconhecer o que e quem somos.
Somos a região do turismo por excelência. Somos a encarnação dos sonhos de muitos que nos visitam e expressão de alguns dos seus melhores momentos. Somos também a região mais falada dois meses por ano e dedicada ao ostracismo nos restantes. Somos a região dos 425 mil habitantes que quadruplica de repente, o que não sendo desprezível porque vai ao encontro do que fazemos melhor, deveria merecer uma outra visão, leia-se também empenhamento, do governo central.
Sobre nós, somos, enquanto cidadãos algarvios, muito pouco participativos. Usualmente dividimo-nos mais do que nos unimos. Ainda assim, dentro disto tudo, temos carácter e lutamos todos os dias por algum reconhecimento, embora nos tais dez meses do ano, nas profundezas de quem está longe do Terreiro do Paço.
Somos o que somos. E nessa ilusão de sonho, a que muitos chamarão loucura, mas que designo como capacidade, defendo um Algarve superior. Sem azedume nem altivez. Dentro de tudo o que tenho lido e até vivido, em sucessivas experiências que me têm feito amadurecer, gostava que esse Algarve fosse diferente em muitas coisas.
Começando pelo próprio turismo. Mais e melhor, com uma oferta diversificada mas concentrada nas capacidades que muitos já demonstram, rumo a um relacionamento com os clientes que marque a diferença e que sejam consequências da formação, formação e mais formação. Para isso, que venha ao de cima algumas ideias modernas, que aproveitem o binómio sol e praia, mas que possam ir muito mais além, no sentido da diferenciação entre destinos turísticos.
Passando pela restante economia. Mais diversificada, melhor aproveitada, onde convivam, sem problemas, os serviços que nos caracterizam e nos podem diferenciar, com uma agricultura que desenvolva o que temos de melhor, com uma relação com o mar dentro de um novo enquadramento e uma pequena/média indústria capaz de produzir. Um Algarve onde não se vivam apenas três meses, mas onde sejam dados contributos para o empreendedorismo, onde sejam aproveitadas as ideias que por aqui brotam mas que têm por destino o caixote do lixo.
Indo até ao ensino que por aqui se ministra. Bem sei que têm de respeitar as orientações que são emanadas a nível nacional, mas para quando o aprofundar de alguns passos que orgulhosamente tenho tido conhecimento, entre as empresas e as escolas/universidades?
Atentando na própria sociedade que temos. Basta de nos “regozijarmos” com as dezasseis “quintas” que temos. São bonitas, são pertença e o orgulho dos seus habitantes, mas há um Algarve para promover e uma união em torno de certas reivindicações, que só no plural fazem sentido.
Passando pelo respeito pela nossa história e cultura, muito mais ricas do que supomos e com argumentos suficientes para desmistificar aquela ideia absurda de que somos apenas praia e sol. Alguém se lembra do que fomos? Que é feito das nossas tradições?
E olhando para o futuro, com o respeito pelo ambiente, aproveitando o que temos na nossa região para tornar o Algarve num local com sentimento verde, embora não fundamentalista, mas capaz de gerar atitudes fortes e duradouras concentradas num destino com ofertas e mentalidade diferentes.
Dentro disto, procurar um Algarve melhor ordenado, que conviva com os erros que cometemos e que estes sirvam para nos indicar que o caminho não é por aí, mas no sentido contrário.
Afirmando um Algarve de acontecimentos para todos. Não só para as elites, não só durante o verão, mas capaz de gerar eventos multi culturais, que cumpram a vocação de agradar às várias franjas da sociedade em que vivemos.
Torna-se fundamental aproximar os dois algarves que temos dentro de nós. Um litoral cheio de oportunidades, outro interior, além-mar e prostrado pela falta de desenvolvimento, mas que não pode morrer por asfixia. E, neste capítulo, honra seja feita aos que lá vivem e que lutam todos os dias para que esse Algarve rico de história e tradição sobreviva. Porém, mais do que reconhecimento, o que essas pessoas necessitam é de intervenções concretas e eficazes.
Muito mais haveria para abordar. Todavia, essas ideias são como um exercício de reflexão que todos devemos fazer, com espírito de compromisso.
Fazem falta muita ambição e orgulho próprio. Faz falta uma certa vontade de ser algarvio, desprendendo-se das amarras dos coitados que muitas vezes nos querem tornar, ou pior, papel para o qual, reconheçamos, também nos colocamos a jeito.
As regiões distinguem-se e distinguir-se-ão cada vez mais pela inovação e pela qualidade dos produtos que conseguirem oferecer, mas também pela complementaridade humana que cada uma delas conseguir apresentar e que marcará a diferença.
É por isso que quero um Algarve mais. Definitivamente, mais humano e com maior profissionalismo e inovação, mais moderno, com mais entrega, mais união, ambição e sentido de região e mais resultados que suportem as nossas pretensões.

Publicada na revista Algarve Mais, edição de Setembro de 2008, página 32

SILLY SEASON

Ainda parece que foi ontem que escrevi isto. Quando olhei para as linhas, perdidas no tempo, senti que elas ainda são saudáveis pois atravessaram o tempo e continuam actuais. Mesmo assim, ainda tentei escrever algo mais sério durante o verão. Não consegui. A certeza do que queria, isto é, o resultado final esfumou-se no calor do calor algarvio. Discutir assuntos sérios nesta altura? Não me parece.
É a velha máxima. No verão não se pensa. É aborrecido. Leva tempo e isso, todos o sabemos, por mais ridículo que pareça, é coisa que não temos nesta altura.
Quem não está de férias, não tem tempo porque está a trabalhar para as férias dos outros. Quem está, também não o tem. Dia a dia, levanta-se cedo para comprar o pão. À primeira fila encontrada, sucede-se a segunda quando tenta chegar à praia. Depois a fila do almoço, a do gelado à tarde, a do jantar e ainda a fila para beber umas bebidas ao fim do dia. Enfim, filas para todos os gostos e que estorricam a paciência a qualquer um.
Durante esta altura do ano, não há tempo, nem dá para pensar. Por mais que fosse agora a altura ideal para rejuvenescer as nossas ideias, não há tranquilidade para o fazer.
Assim, pouco importa que haja guerra. Ou que sol esteja mais quente. Ou que a economia esteja em recessão. Ou que o ambiente esteja mais poluído.
Não há tempo para pensar nessas “banalidades”. Elas, se forem importantes e nos quiserem contactar, que deixem mensagem no telemóvel. Logo se pensará nisso. Não vale a pena insistir. Convém mesmo é tentar compreender e facilitar.
Por isso, deveriam haver regras específicas de conversação no verão. Só se deveria discutir a política do bronze, o ministério do gel e dos perfumes, a secretaria de estado das camisas de marca ou o instituto das gabarolices em público. Seria mais fácil. Até porque a verdade é só uma: os portugueses passam-se nesta época do ano.
No verão, imperam as coisas silly. A isto, temos de juntar as exibições da Tita, da Sita, da Gu, da Lu, da Dádá, da Pitu ou da Pipi e outros nomes como tais, que se abanam ao sol, carregadas de revistas cor-de-rosa, telemóveis e bronzeadas da cabeça aos pés.
Não pensem que é mau. É um autêntico “privilégio” conviver, momentaneamente, com este tipo de vida, igual à das telenovelas, ou exibida nos filmes de Hollywood.
O verão e o Algarve são pois indissociáveis. Por um lado, ainda bem. É o reconhecimento de um destino por excelência. Por outro, não deixa de ser estranho que, para alguns, só exista sul durante dois meses por ano. Parece que, durante o resto do ano, somos indígenas. Não sei se é por pensarem que não merecemos mais. Mas também, trezentas mil pessoas contam para quê?
Se ainda estivéssemos numa cidade qualquer da periferia de Lisboa, talvez nos conhecessem o ano inteiro. Assim, toma lá dois meses e já vais com sorte.
Mas, como já o referi, o verão não foi feito para pensar. É aborrecido. Mais vale continuar a ouvir a descrição dos sítios que todos falam mas não sabemos onde ficam, ou festas em locais lindos de morrer, mas onde a entrada nos é sempre vedada.
Justa ou injustamente, é esta a imagem que tenho da silly season, cada vez mais vergada ao peso do pensamento light. Assim sendo, e por enquanto, não vos incomodo mais. Logo voltaremos a pensar depois do verão.

ESTADO: AME-SE OU ODEIE-SE

Habituámo-nos a ver o Estado como uma coisa quase inatingível, enorme, pesado e que elabora as regras com as quais nos regulamos todos os dias. Esta imagem de algo enorme e com várias ramificações, surge-nos diariamente, com uma frequência bastante notória, por entre as tarefas quotidianas e normais.
O Estado é um país, com leis, normas, regulamentos. A sua função é regular, doa a quem doer, mas sempre com uma função de protector, pelo que nos dizem, trazendo aos mais indefesos um conforto que merecem, em nome de uma justiça social que defendo.
Dentro destes conceitos, parece ser inegável que esse mesmo Estado consiga provocar nas pessoas uma dualidade de sentimentos, que estão nas antípodas um do outro, mas que são a consequência natural da nossa própria relação com ele.
Vejamos dois casos distintos. O Estado enquanto monstro pesado e injusto e o mesmo Estado enquanto coisa pública que consideramos e desejamos forte e sustentável.
Ainda no outro dia, e a propósito de uma discussão sobre o monopólio estatal, ouvia a opinião de alguém que não baixava os braços contra algumas injustiças provocadas pelo Estado pesado e burocrático que conhecemos. Nesta troca de argumentos a que assisti, não pude deixar de pensar nessa fatalidade, isto é, na perspectiva de nos vergarmos perante algo que de tão grande e poderoso, se torna difícil de combater.
O exemplo vinha do relato de algumas injustiças realizadas e a impossibilidade de as combater com a mesma celeridade com que se fosse ao contrário. Nitidamente falava-se de privilégios instalados e difíceis de remover. E, nesse capítulo, parece-me lógico que o possamos odiar.
Consideremos agora outro caso, muito em voga ultimamente: o caso da Quinta da Fonte. Todos temos seguido as notícias, e aqueles que tiverem a possibilidade de pensar pela própria cabeça, sem ficarem reféns dos rótulos de xenofobia, certamente apelarão para que o Estado continue activo e forte, não cedendo a quaisquer pressões ilegítimas, seja de grupo, raça ou etnia for. Nesse capítulo queremos amá-lo, porque achamos que tem de haver uma voz, firme e autoritária, dentro do razoável, mas que una e defenda os princípios legais.
Há quem defenda menos estado e melhor estado. Estou de acordo, desde que possamos salvaguardar as competências próprias do mesmo e, essencialmente, a sua função social e económica, como alavancas modernas para uma sociedade mais equilibrada.
Amamos ou odiamos. É dentro destes estados de alma que vivemos todos os dias uma relação que é muito sui generis.
Seja em que dimensão for, torna-se importante, porque o Estado é governado por pessoas, que as mesmas possam garantir transparência e equidade, de forma a aceitarmos a responsabilidade que nos incute. A acontecer isto, estou certo que equilibraremos os sentimentos e aceitaremos melhor o seu papel, tantas vezes complicado.

Publicada no Jornal do Algarve, edição de 7 de Agosto de 2008, página 27

quinta-feira, 17 de julho de 2008

LÍDER ALGARVIO: PROCURA-SE

O texto até poderia começar em forma de anúncio. Seria mais directo. Logo, aquilo que me ocorreu escrever foi: procura-se homem ou mulher, independentemente da sua idade, crença ou filiação partidária, com espírito de liderança, com paixão pelo Algarve e interesse sobre os seus problemas, astuto(a), bom (boa) negociador(a) com o poder central e que queira liderar, politicamente, esta região. Apresentem-se pois os pretendentes.
Hoje querem voltar a falar de regionalização. E quando de se fala deste tema, fala-se de Algarve, o que concordo, mesmo que confesse que nunca fui muito entusiasta desta filosofia política, ora porque nunca a entendi na forma como a explicaram ou pelos modelos administrativos errados que foram propostos, com excepção do nosso, há dez anos atrás.
Mesmo assim, sem querer cair numa contradição pessoal, e ainda que me sinta perdido no conceito e nas vontades expressas, se a regionalização for a consequência final de um processo urgente de uma efectiva descentralização, se tiver regras concretas e precisas, se puder transportar uma região como é a nossa, por vezes com um profundo défice de auto estima, com algumas lacunas económicas importantes e assente numa base turística essencial mas instável em termos mundiais, no cômputo geral, se o novo rumo seguir este caminho, então teremos sucesso.
Até lá, resta juntar todo este rendilhado de pessoas, com boa vontade, não duvido, trabalhadores incansáveis nos seus concelhos, sou testemunha, mas muito aquém de uma verdadeira força regional que seria a constatação ideal.
Continuamos a ser, como já o escrevi muitas vezes, habitantes de dezasseis quintas, onde os seus proprietários, leia-se autarcas, não têm uma visão de conjunto, sempre preocupados com o seu espaço, com os prováveis ganhos que disputam à migalha, mas sem perceberem que não têm voz onde é preciso porque são ignorados. Resta-lhes o papel de anfitriões quando cá vem alguém do governo, na ânsia de que mais uma migalha possa ser oferecida. É triste.
Onde é que andará esse ou essa líder? Quem será aquele ou aquela que, mesmo sendo polémica, que não agrade a todos ou seja olhada com desconfiança, saberá interpretar o sonho de uma região forte economicamente, assente numa base social feita de milhares de pessoas que trabalham e que querem que esse trabalho seja respeitado para que possam ter voz em Lisboa?
Ando à procura, portanto. E, tal como eu, sei que outros também andarão. Certamente, muitos dos algarvios que se interessam, que militam no tecido associativo, tenham acção política ou não, que participem nos diversos grupos de reflexão que por aí existem ou sejam cidadãos perfeitamente anónimos, mas que querem mudar algo no Algarve, não deixarão que continuemos a interiorizar esta ambição frustrada.

Publicada no Jornal do Algarve, página 26, edição de 17 de Julho de 2008

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O ASSOCIATIVISMO

O associativismo está doente. Todos o sabemos. Todavia, poucos são aqueles que tentam remar contra uma maré que é conhecida mas ignorada. É este o panorama actual.
Fruto de um conjunto de vicissitudes que enfermaram um todo, espelho injusto de um conjunto de actos cegos e impróprios, o associativismo ficou conotado, injustamente, afirme-se sem complexos, com alguns comportamentos desviantes. A esses, como tudo na gestão da informação sensacionalista, foram dadas primeiras páginas, centenas de destaques e milhares de comentários, enquanto que o trabalho de formiga de milhares de “voluntários” do associativismo nem sequer teve direito a uma linha.
Isto deu origem à má fama, ao diz que disse e ao mau juízo. Que fique claro pois. Nem todos aqueles que dão gratuitamente as horas do seu tempo às associações onde militam são ladrões ou mal feitores. Bem longe disso. E, certamente, não são alguns casos censuráveis que mancharão todo um esforço de construir uma sociedade mais plural e mais diversificada, seja na cultura, no desporto ou nos tempos livres.
Eu sou defensor de um novo enquadramento legal para o associativismo, alicerçado num conjunto de novas medidas de apoio e fomento à sua acção. É importante que sejam dados passos importantes nesse sentido, para que se ultrapassem um conjunto de obstáculos que atrapalham e dificultam o seu dia a dia.
É necessário chamar mais pessoas para o associativismo. Mais do que isso. É importante que lhes possamos dar condições para que o vivam de uma forma completa e capaz de responder às missões que têm.
Hoje, a sociedade moderna, precisamente e ironicamente a mesma parte da que desdenha o associativismo porque não o conhece ou não quer conhecer, é aquela que mais necessita das suas virtudes e de tudo o que pode fazer para enriquecer as experiências pessoais de cada um. Esse complemento é fundamental enquanto garante de um passado cheio de referências que não podemos deixar morrer ao abandono.
Estas e outras questões, debaixo do tema que escolhi para escrever estas linhas, preocupam-me bastante. Temos, assim, dois caminhos para percorrer.
O primeiro, leva-nos para a continuação de uma política do falar mal e de não querer ajudar a reerguer o associativismo. É o mais fácil, claro. O segundo caminho leva-nos por uma estrada de esforço individual, garantindo lá no clube da terra, na associação com a qual nos identificamos ou na defesa da causa pela qual nutrimos afeição, o nosso contributo.
Devo uma palavra final a muitas pessoas, com nomes diferentes, mas com a mesma característica, ou seja, a tenacidade que têm demonstrado em aguentar muitas associações, na sua maioria, de uma forma absolutamente heróica. Curvo-me perante esses exemplos, infelizmente, muitas vezes misturados na lama de uma forma infame.

Publicada no Jornal Região Sul, edição de 9-7-2008

domingo, 29 de junho de 2008

EXTRAORDINARIAMENTE SOLIDÁRIOS

Nunca pensei escrever sobre algo semelhante. Nem sei mesmo se quem vai ler estas linhas entende que se trata de um assunto que mereça particular atenção. Confesso, contudo, que esta história me deixou bastante sensibilizado. Até porque num tempo de grande competição e de pouca consideração de uns pelos outros, casos como este, puro e genuíno, são uma raridade. Mas, para além destas excepções ao mundo real, estes casos, são também uma ponta de esperança naquilo que temos de melhor, ou seja, a vontade de fazermos algo pelos outros, a troco de nada, a não ser o propósito de ajudar.
O exemplo de uma certa turma de mestrado na Universidade do Algarve é quase um caso de estudo. Não sendo caso inédito, e ainda bem que não o é, a sua união face aos exames que encontrou recentemente pela frente, concretamente a forma como reagiu aos mesmos, deixou-me deveras satisfeito.
Os alunos, devidamente organizados e capitaneados por um ou por outro colega, consoante o seu maior ou menor entendimento das matérias em apreço, perceberam que se deveriam unir para estudar durante várias noites e, durante esse tempo, foram-se entre ajudando de todas as formas possíveis para atingir os melhores resultados.
Ora mesmo que existam pessoas que não consideram esta atitude como merecedora de particular relevo, o facto concreto é que não há memória de muitos casos parecidos.
Já me falaram da solidariedade que existe entre os colegas da universidade Aberta. E é lógico que assim seja. Por duas razões. Primeira, porque não se conhecem mas dependem uns dos outros, dado o isolamento que têm pelo que é necessário que se ajudem mutuamente. Segunda, porque esse desconhecimento e as necessidades que têm são molas que aguçam essas vontades. Seja como for, tais razões jamais atenuarão a dignidade e o mérito dessa entre ajuda verdadeiramente notável.
Os casos que aqui relatei e outros exemplos que certamente existem por aí contrastam pois com tantos outros, onde depois de esgotado o ano lectivo, percebemos que os alunos de certas turmas nem se chegaram verdadeiramente a conhecer nem quiseram ter este espírito de sacrifício colectivo, ora porque não puderam ou porque não quiseram.
Qualquer instituição de ensino tem como missão ensinar. Presume-se que educar, no sentido restrito dessa mesma educação, isto é, dos modos como encaramos a vida, já venham de casa. E o que acabei de escrever é tão importante que merece que o sublinhe, particularizando uma situação. De entre os demais, destaco e elogio o sacrifício de algumas pessoas que para além de serem bastante inteligentes e excelente alunos, não se escondem atrás dessas qualidades mesquinhamente, mas preferem partilhar esses saberes com os seus colegas, abdicando do seu tempo, de uma forma gratuita porque fazem questão que os outros tenham oportunidades para terem sucesso. Tais atitudes apenas estão ao alcance das grandes pessoas.

Publicado no Região Sul, edição de 25 de Junho de 2008

MUSEU RURAL DA QUINTA DOS AVÓS

Parte daquilo que somos, devemos sempre partilhar, de forma a podermos sempre saber de onde viemos e o que fomos. Esta orientação, ou máxima, se preferirem, esteve bem presente aquando de uma visita que efectuei, há algumas semanas atrás, ao Museu Rural da Quinta dos Avós, anexo a uma conhecida casa de chá, onde se pode saborear o que ainda se faz de doçaria tradicional do Algarve.
Mais do que fazer publicidade, e seria perfeitamente justificada porque está em causa uma qualidade de serviço e de sabores regionais naturais que importam realçar sem complexos, convém realçar, porque é isso é o cerne deste texto, a vontade que os seus proprietários tiveram em preservar um pouco da história recente, distante no tempo, mas ali tão perto e “ao sabor” dos objectos que representam um Algarve desconhecido.
Para ser honesto, e depois de tantas visitas que efectuei ao local (casa de chá), nunca tinha notado a riqueza que estava ao meu lado. Foi apenas quando cumprimentei a senhora Maria da Encarnação, proprietária da Quinta dos Avós, pela conquista do prémio «Aurum 2007 para a melhor artesã de comida tradicional europeia» que através do seu convite gentil, fiquei a conhecer o museu.
Fiquei perplexo. Para além da simpatia e das explicações detalhadas do proprietário, José de Jesus Gonçalves, claramente familiarizado com o espólio que orgulhosamente tem em exposição, tive a oportunidade de ver uma pequena colecção de veículos de tracção animal, na sua maioria provenientes da actividade agrícola, e um conjunto de objectos de excelente qualidade que permite a compreensão da evolução técnica e artística dos meios de tracção animal utilizados pelos algarvios até ao aparecimento do automóvel. Para além dos carros, a colecção reúne ainda um conjunto significativo de alfaias agrícolas, arreios, bem como de instrumentos de trabalho e de lazer. A tudo isto ainda se junta uma colecção gravuras e fotografias relacionadas com as peças ou com a história do museu, assim como, um contacto muito próximo com a história e a cultura etnográfica dos veículos tradicionais algarvios.
Segundo o que pude consultar, através do sítio http://www.jf-algoz.pt/museus.php, fiquei a saber que o museu realiza periodicamente actividades culturais que têm como objectivo a divulgação e valorização da cultura algarvia. Das principais actividades desenvolvidas destacam-se cantares de janeiras, artesanato ao vivo, festas dos santos populares, festa da desfolhada e passeios de burro.
Este projecto, que pelo que me foi dito, partiu de uma teimosia sã dos seus proprietários, merece um profundo reconhecimento. Merece mais até. É necessário que se olhe para este espólio como uma prova da vida de muitos algarvios e das dificuldades que sentiram em tempos em que nada havia, a não ser o trabalho árduo e sem condições que marcava um Algarve rural de que muitos nunca ouviram falar.
Para além de felicitar essa “teimosia” dos proprietários do Museu Rural da Quinta dos Avós, convido todos a visitar este espaço, fazendo votos que os responsáveis governamentais pela nossa cultura, saibam interpretar a potencialidade do que lá está e saibam ajudar a dignificar este espaço, contribuindo para que este espólio possa crescer e chegar a mais pessoas, entre os quais, os nossos jovens, tão necessitados destes contactos com uma história que julgam ser de outra galáxia.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 19 de Junho de 2008

ENGRAVATADOS VERSUS POVO

O título soa a luta de classes. Mas não tenho intenções que assim seja. Sou partidário de uma sociedade livre e justa, que premeie o mérito individual, e que seja um retrato interclassista, fiel a um relacionamento social que una em vez de dividir. Aliás, convém mesmo dizer que nada tenho contra as gravatas, porque também as uso ciclicamente. Assim, ao recorrer ao termo engravatados, mais não pretendo do que transmitir um certo sentido figurado do que julgo ser actual no nosso país. Para ser mais preciso, e indo ao encontro do assunto que pretendo aqui dissecar, direi que há hoje uma clara clivagem entre certos engravatados e o país real. Ultimamente, temos tido conhecimento, via comunicação social, de uma vasta proliferação de declarações públicas, por parte de algumas pessoas que nos invadem as nossas casas, entre as quais governantes, empresários de topo ou certos representantes de classes profissionais consideradas de elite, com um certo tipo de linguagem inapropriado.
Não sei em que mundo é que vivem, mas, facilmente, chegamos à conclusão que não deve ser no nosso, aquele que é real e que tem sido palco de conflitos sociais, numa espiral que se tem vindo a agravar exponencialmente. Julgamos até, face a tudo o que ouvimos do alto das suas cátedras, que as suas considerações são perfeitamente abusivas e que, se não soubéssemos que por princípio não nos querem mal, seríamos tentados a pensar que sentem por nós um profundo desprezo.
Só assim se justifica a ligeireza com que se referem ao nosso futuro, sempre com a justificação de que não podem fazer nada contra os problemas que nos assolam, porque assim tem de ser e em nome de um conjunto de princípios e restrições que só a nós se aplicam, deixando no ar a ideia que nem todos respeitam os sacrifícios pedidos.
Vejamos o caso do aumento sucessivo do preço dos combustíveis. Tendo por base um conjunto paupérrimo de declarações públicas de alguns dos nossos governantes e de uns certos tipos engravatados que lideram o sector petrolífero, interrogo-me se aquelas pessoas se importam cada vez que existe um agravamento das nossas condições de vida.
Esta pergunta torna-se ainda mais pertinente quando nos sentimos violentados na nossa consciência ao ouvirmos da parte do Ministro das Finanças que se deve poupar mais, mas ao mesmo tempo se observa um Estado pouco controlador. Ou ainda quando ouvimos alguém de uma empresa petrolífera observar que não pode baixar o preço dos combustíveis porque com o lucro existente (pouco na sua opinião) tem de pagar o seu salário e dos seus colaboradores.
Há claramente um fosso entre os engravatados do nosso país e o país real. E isso percebe-se pela omissão de ideias e de políticas que estanquem a degradação social que, infelizmente, não tardará. Esta falta de sensibilidade e este desfasamento entre as dificuldades que muitos sentem e algumas pessoas que vivem noutra dimensão preocupam-me. Por mais posições de destaque que certos engravatados hoje detenham, isso não lhes dá o direito de “desconsiderar” as dificuldades que o cidadão português comum sente, e que ao invés de uma certa protecção que deveriam promover, ainda somos brindados com declarações que invocam uma altivez que é exagerada e até ofensiva.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 5 de Junho de 2008

domingo, 1 de junho de 2008

NÃO, SENHORES MINISTROS.

Não posso dizer que me sinto desiludido convosco, porque isso seria admitir que alguma vez me teria iludido, mas a verdade é que me sinto desapontado, para não escrever uma palavra menos agradável, com o chorrilho de asneiras que, V. Exas., Ministros da Economia, Manuel Pinho, e das Finanças, Teixeira dos Santos, têm balbuciado nos últimos dias a propósito do aumento assassino dos combustíveis em Portugal.
Não vou ao encontro dos facilitismos. Nem procurarei defender medidas fáceis a pedido porque sei que muitas vezes enterram mais o problema do que o resolvem. Estejam, por isso, descansados. Todavia, quando ouço que o nosso governo jamais irá baixar o imposto sobre os combustíveis, preferindo amplificar um problema social a interagir com as armas que dispõem nesta aventura desgraçada, sou obrigado a pensar que tipo de pessoas são estas, legítimas representantes do Estado, mas que não cumprem os requisitos para o defender com sensatez e perspicácia.
O aumento sucessivo dos combustíveis não tem razão de ser. As palavras que têm justificado essas medidas também não. E a inércia do nosso governo muito menos ainda. Trata-se, portanto, de um embuste que alguns (merecíamos ao menos saber quem) estão a fazer a milhares de portugueses, que como eu, não têm outra alternativa senão continuarem a contribuir com os seus euros sabe-se lá para que interesses. E, ainda por cima, para cúmulo desta situação, quando nos queixamos, quando propomos soluções para esta crise social, ainda somos apelidados de tudo o que aqui tenho vergonha de reproduzir.
Pergunto que defensores são esses e que Estado preconizam? Ao abrigo de uma contenção de despesa pública, que falha sistemática e escandalosamente, vão-nos obrigando a correr sozinhos para um precipício certo. E o pior não é isto. Mau mesmo, é sabermos que todos nós, contribuintes e carecidos de abastecer semanalmente, parecemos aquelas pessoas que estão a morrer de sede e ao seu lado aparecem duas almas, neste caso, com muitas responsabilidades neste assunto, que tendo duas garrafas de água, nos dizem que não podemos consumir. É este o sentido figurado desta crise.
Acredito num estado justo que dê a liberdade aos seus cidadãos de optarem, que lhes ensine primeiro a pescar antes de poder dar ou não a cana, mas que os auxilie quando tal é verdadeiramente indispensável.
Os quase vinte aumentos sucessivos dos combustíveis são uma vergonha nacional. E, mais do que isso, é um erro global que muitos já diagnosticaram, mas que alguns teimam em dizer que está tudo bem, preferindo assobiar para o lado.
Olhem para a nossa vizinha Espanha. Principalmente aqueles que vêem em Zapatero um exemplo a seguir compreendam porque é que ao mínimo sinal de abrandamento da sua economia o primeiro-ministro espanhol se reuniu com os agentes económicos. Depois façam a devida comparação com as declarações infelizes dos dois ministros acima referenciados. Só pode ser mesmo uma brincadeira infeliz, não acham?

Publicado no Jornal Barlavento, edição de 29 de Maio de 2008

OS JOVENS E A POLÍTICA

«O Presidente da República reuniu-se, no Palácio de Belém, com cerca de 30 dirigentes de Associações de Juventude para debater o tema da participação cívica e política dos jovens e as razões que os motivam ou afastam de um maior envolvimento. No encontro, sob o tema "Os Jovens e a Política", participaram os líderes das organizações partidárias, académicas, de voluntariado, sindicais e empresariais e do associativismo juvenil, todos representados no Conselho Nacional da Juventude.»
Foi, desta forma, que o sítio da Presidência da República (http://www.presidencia.pt), comunicou uma iniciativa que vem na sequência das preocupações manifestadas no discurso proferido na sessão comemorativa do 25 de Abril, na Assembleia da República, e que pretendeu dar relevo aos contributos e propostas dos jovens no sentido de uma maior aproximação entre os mesmos e a política.
Na minha opinião, esteve muito bem o senhor presidente. Por diversos motivos que se enquadram numa preocupação com o futuro de Portugal no saber pensar, estar e viver.
Tenho escrito muitas vezes que vivemos o tempo da lassidão. Os jovens não sabem de nada, não se importam com temas “secantes”, como eles próprios os definem. Por um lado, querem ser o futuro, por outro, rejeitam o presente, na esperança de um futuro que anseiam mas que com o qual agora se aborrecem.
Também eu fiquei chocado com o estudo que demonstra inequivocamente o "total alheamento" dos jovens face à política e a insatisfação geral dos portugueses face ao funcionamento da democracia no país. Nada que me espante, confesso. Mas ainda me choca estar frente a frente com uma realidade que é culpa de todos.
Actualmente, com a provável falência da participação livre e apaixonada e com a mais que provável falência do associativismo, estamos naquela linha que nos marca o ponto de não retorno. Ou agimos e ganhamos. Ou ficamos como estamos e perdemos. Tão simples quanto esta equação.
Urge, por isso, prestar atenção a quem ainda quer fazer algo que aproxime as pessoas da política, do associativismo, da participação apaixonada e do dar de si sem pensar em si.
Estes são os desafios que corajosamente o Presidente da República colocou na agenda. Fê-lo com a serenidade que o caracteriza, sem que isso perturbasse ou minimizasse a preocupação que existe sobre a matéria. Torna-se importante pois, olhar com atenção para as recomendações finais deste encontro, dirigidas ao Governo, Autarquias, Média e ao próprio Presidente da República, entre outros, e tentar ver nesses conjuntos de palavras, pistas para agir de uma forma rápida e eficaz.
Em suma, os jovens reunidos no Palácio de Belém, defenderam que se deveria: Promover a formação de líderes e dirigentes associativos juvenis; Promover o reconhecimento e valorização das competências adquiridas ao nível do voluntariado e do trabalho associativo; Integrar a formação cívica nos planos curriculares, sobretudo ao nível do primeiro ciclo, de uma forma mais evidente; Promover um plano de acção estratégico a nível local, envolvendo as várias instituições locais, desde clubes desportivos, associações de carácter recreativo e cultural, até aos próprios organismos do poder local, entre outras, no sentido de estimular o interesse dos jovens pela política e pelo exercício da cidadania, Potenciar o papel dos Conselhos Municipais de Juventude; Criação de mecanismos que facilitem o acesso à informação por parte dos jovens, nomeadamente com base nas novas tecnologias, para que as dificuldades logísticas de acesso à informação não sirvam nunca de desculpa para a ausência de participação; Envolver os órgãos de comunicação social na promoção da aproximação dos jovens à política, através de uma maior divulgação das actividades desenvolvidas pelas organizações juvenis, no sentido de colocar sempre as questões de juventude na ordem do dia; Continuidade da aposta nesta política, baseada numa magistratura de influência, que tem o condão de trazer as questões da juventude para a ordem do dia.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 22 de Maio de 2008

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Porque significas muito. Isto é para ti, Rita.

POR FIM, ENCONTREI-TE.

As próximas linhas têm uma destinatária. Mesmo que ela não as possa ler porque ainda não consegue, se Deus quiser, um dia, poderá confirmar qual era o estado de alma do seu pai nestas suas primeiras semanas.
Acho mesmo curioso que tendo escrito sobre a minha mãe há pouco tempo, particularmente pelo facto de já não estar entre nós há uma década, acabo pouco tempo depois por escrever sobre um nascimento, o que prova que na nossa vida, as palavras vida e morte rodeiam-nos ao longo da nossa existência.
Antes mesmo de escrever o que penso sobre o nascimento da minha filha e da felicidade que eu e a sua mãe sentimos, gostaria de fazer aqui uma consideração que julgo indispensável porque se torna coerente. Se há alguns tempos atrás, lesse textos destes ou manifestações semelhantes, acharia enternecedor mas, se isso fosse completamente exagerado, sentiria que tal era eventualmente sentimento a mais para algo de normal na vida, ou seja, ter um filho.
Hoje, sou forçado a reconhecer que estava errado. Para quem não se imaginava ver cd’s de ecografias, a tirar centenas de fotos ou a fazer outras coisas que tais, sou mesmo obrigado a concluir aquilo que muitos pais já concluíram durante o mesmo processo, isto é, ficamos verdadeiramente diferentes quando passamos por essa experiência maravilhosa.
Ver nascer uma filha é um privilégio. E é dessa forma que me sinto. Mesmo que ainda me faça confusão o seu choro porque não sei muito bem o que devo fazer. Mesmo que ainda me esteja a aperfeiçoar a mudar fraldas ou a tentar dar-lhe banho. Mesmo inclusive que o meu metabolismo esteja completamente alterado e que o cansaço pelas noites mal dormidas seja uma constante durante o dia. Vale tudo a pena. Seja por vermos nascer algo que é nosso, seja por percebermos que a partir de agora somos responsáveis por tudo o que lhe possa acontecer.
Não sei o que serás filha. Nem sei mesmo como o serás. Sei é que és um enigma (no bom sentido) que procurarei educar e acompanhar. Sei também que ainda hoje, graças ao teu nascimento, ando completamente na lua, ainda que de uma forma esforçadamente discreta, tentando vir à terra de vez em quando para tratar daquelas coisas terrenas de que é feito o nosso quotidiano.
Por agora, enquanto te vejo tranquilamente no meu colo ou no da tua mãe, recordo os primeiros minutos em que soube que ela estava grávida, o teu nascimento e os primeiros segundos da tua vida, o olhar fixo que me fazes como que se falasses sem esboçar qualquer palavra e a vontade enorme que tenho para te dizer que por fim, encontrei-te!

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 7 de Maio de 2008

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Ontem...dia da Mãe

Ontem foi dia da mãe. Nada melhor do que homenageá-la com as palavras que têm sido elogiadas por muitos dos que as têm lido. Por falar neste assunto, um agradecimento especial a todos os que comentaram esta crónica aquando da sua publicação.


VER-TE PARTIR…


Esta é uma crónica sentida. E por isso, não é fácil. Quem tem paciência para ler aquilo que escrevo frequentemente, sabe que já o fiz sobre muitas coisas. Aliás, só assim é que sei estar, com essa liberdade própria de quem se encanta com a escrita, marcadamente pessoal, com várias opiniões e em diversas direcções. Creio que tirando um caso que me lembro, nunca escrevi directamente sobre uma pessoa. Hoje, decidi fazê-lo, sabendo que essa pessoa, que já não está entre nós, não é uma pessoa qualquer.
Precisamente hoje, faz dez anos que a minha mãe faleceu. Partiu corroída por dentro, minada por uma doença estúpida que tarda em ter cura. Sei perfeitamente que é uma história igual a tantas outras, infelizmente com o mesmo fim, e que cada um de nós guarda para si ou conta aos demais.
Decido hoje falar da minha mãe porque tenho saudades dela. Essencialmente isso. E dentro deste espírito que muitos poderão apelidar de piegas, que aceito mas do qual me orgulho, não tenho vergonha em partilhar convosco esse sentimento tão íntimo.
Presto-lhe esta homenagem singela através do reconhecimento de quem era, da maneira como se comportava perante as situações da vida, pelo seu repetido sorriso mesmo perante as dificuldades e, dentro disto, pela maneira digna como aceitou o fardo com que partiria, nunca deitando a toalha ao chão. Aliás, essa coragem toda que demonstrou, sendo um exemplo, é a maior referência pessoal que tenho na minha vida.
De facto, se ela pudesse ler estas linhas, por magia ou por outros quaisquer encantamentos, ficaria com a sensação justa que mais do que ser filho, quem escreve isto o faz de uma forma imparcial. Mesmo sabendo de que fala da sua própria mãe.
Habituei-me por princípio e porque acredito, a não discutir qual é o mais importante, se é a mãe ou o se é o pai. São os dois porque ambos se complementam, ponto final parágrafo. Por isso, esta noção de família, quando se perde um dos dois, fica abalada. E este é o maior tributo que posso dar à memória da minha mãe: reconhecer a maneira como me educou e a falta que sempre me fez e continuará a fazer.
Não resisto a fazer um comentário final paralelo, que não sendo por ressentimento com a vida, ela é o que é e não há nada a fazer, faz todo o sentido para mim. Por vezes, e isso irrita-me solenemente, fico transtornado quando ouço comentários de certas pessoas que não compreendem a felicidade de poder contar ainda com o apoio dos pais. É demasiado mau, é certo. Mas analisemos esse melhor esse desprendimento.
Numa sociedade que perdeu uma certa orientação dos seus valores, falta saber reintroduzir o valor da educação que recebemos, a vontade para que a sociedade consiga estimular o conceito de se estar mais tempo em família, mesmo aceitando os compromissos profissionais/sociais de cada um, ou ainda para assimilar que os pais deverão ser actores activos e não passivos.
Ora este grande desafio dos tempos modernos, não é despiciente. É o reconhecimento da importância que todos os pais têm, em vida ou depois dela, em relação aos filhos. É por defender esta convicção que não esqueço a minha mãe. Nem que passem outros tantos anos.

Publicada no jornal Região Sul, em 9 de Abril de 2008

sexta-feira, 2 de maio de 2008

1 POR CENTO

O governo de José Sócrates, decidiu tentar ir ao encontro de um pedido pelo qual muitos ansiavam: a descida do IVA (imposto sobre o valor acrescentado). Aquando da sua subida de 19 para 21 por cento, decisão deste mesmo governo em Julho de 2005, devido à necessidade de reduzir o défice orçamental, muitos portugueses repudiaram essa alteração, contrastando com os poucos que a apoiaram.
Face a esta nova orientação, que terá o seu início a 1de Julho próximo, torna-se interessante olhar para a forma como esta medida foi interpretada, nomeadamente por economistas e políticos, ficando novamente a sensação de não ser nada consensual.
Entre o termo eleitoralista e corajoso, por mais ridículo que isso possa parecer, vai um curto caminho. As diversas opiniões que pude consultar, e antes de chegar à dos políticos, escolhendo primeiro os economistas, alternam entre uma decisão eleitoralista, acusando José Sócrates de “hipotecar o país” com uma “descida simbólica” que terá, “um impacto minúsculo na carteira do consumidor final” e um acto corajoso, sendo por isso, “uma boa medida”.
Quanto aos políticos, como seria normal, há opiniões para todos os gostos. Desde o partido que suporta este governo e que se regozija com esta decisão, passando por aqueles que a classificam como um “pequeno passo”, até à maioria da oposição que relativiza esta baixa por a considerar inócua e ineficaz, há de tudo.
Feito este enquadramento nacional, creio que devo também opinar sobre o significado desta medida. O IVA está de facto alto. E mesmo que desça o tal 1 por cento da discórdia, vai continuar a penalizar o consumo e a prejudicar-nos nomeadamente com a economia da nossa vizinha Espanha.
Se é certo que esta descida vai ajudar as empresas, e que estas são a mola da nossa economia e, por arrasto, da nossa própria estabilidade económica, temo que directamente não venhamos a usufruir desta baixa percentual no nosso dia a dia.
Assim, por mais estranho que pareça, não é difícil compreender que eu possa aceitar as limitações que o governo invoca (recordo aqui a vontade de José Sócrates em baixar este imposto em dois por cento impedida, segundo o próprio, pela prudência com que encarou a sua avaliação), mas, ao mesmo tempo, pensar que, se não forem dados mais passos no sentido de estimular a nossa economia, estaremos perante uma decisão que, embora positiva, como afirmou a CCP (Confederação do Comércio e Serviços de Portugal), sendo “isolada, terá um efeito limitado”.
É que convém não esquecer que, mesmo com a boa notícia da redução do défice público para 2,6 por cento, a economia nacional atravessa “momentos de turbulência e incerteza”, como reconhece o próprio José Sócrates, e a economia de muitas famílias portuguesas, estimadas em cerca de cem mil, está fortemente manchada pelo sobre endividamento.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 1 de Maio de 2008, página 24

quinta-feira, 1 de maio de 2008

O dia do trabalhador

Neste dia, proponho uma reflexão. Para onde vamos a nível de relações laborais? Em vez de "andarem" permanentemente numa guerra sem quartel, não seria melhor que todas as forças responsáveis por este sector fizessem um levantamento sobre quais as condições laborais que teremos num futuro próximo e as formas necessárias para enfrentar a competitividade que tende a aumentar?

O primeiro post

E tem a ver com o petróleo. Sim, esse combustível que está bastante caro. Apoio, sem reservas, as pretensões de todos aqueles que quiserem saber qual é o negócio que está por detrás destes sucessivos aumentos, sem rigor nem justificação. Basta!
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