quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

AOS 35

Desde há alguns dias que me devo a concretização de algumas promessas. Trata-se de uma dívida vencida, impossível de saldar nos próximos tempos, mesmo que ainda seja optimista, e que traduz uma certa falta de esperança que nos dá a todos um ar sombrio, muito aquém do que deveríamos ter por esta altura da vida.
Parece que os vencidos da vida continuam a fazer história. Chamemos-lhe assim, sem rodeios, àqueles que agradecem estar vivos, que o fazem com saúde, mas que mesmo assim acham, se tal for entendido como justo, que poderiam estar melhor na vida e ser alguém com outro impacto profissional.
Pelos 35 começamos a fazer muitas contas. E, se reconheço as dívidas entre aqueles sonhos de menino e algumas desilusões do agora senhor, é sinal que, mesmo sendo novo, iniciamos uma outra fase da nossa existência, mais exigente e muito menos complacente.
Aos 35 olhamos e analisamos de uma forma diferente tudo o que nos rodeia. Deixámos para trás uma certa utopia que nos acompanhava e entramos num certo tipo de quinta dimensão, de formas bizarras e com coisas que ainda nos deixam perplexos.
É certo que somos mais vividos. Sei que por esta altura já atravessámos experiências que nos fazem estar alerta e escolher melhor os caminhos que temos pela frente. Todavia, essas escolhas mantêm-se reféns de vícios entretanto adquiridos ou de uma forma injusta que a própria sociedade impõe e que já conhecemos de ginjeira.
Incutem-nos ainda que somos demasiado novos para atingirmos certos patamares, mas demasiado velhos para começar a sonhar com eles. Querem-nos responsáveis, mas negam-nos a responsabilidade de decidir porque há sempre alguém que, em última instância, se arroga ao direito supremo de o fazer. E vivemos, por isso, espartilhados.
Somos interpelados na rua, mais vezes do que era normal até aqui, como que se tivéssemos de apresentar um relatório de tudo o que conseguimos fazer até aqui. Uns conseguiram de facto ser doutores, outros são mais felizes com negócios ou posições cimeiras e outros atarantados, como eu, vivem assalariados à espera das tais oportunidades que nunca chegam. Eu, e outros milhares, certamente.
Depois a crise. Claro. A mesma crise que penaliza toda a gente, mas que não deixa de ser excessivamente castigadora para todos aqueles que, como eu, viram as suas prestações da sua habitação aumentarem de uma forma brutal, viram a sua qualidade de vida recuar inevitavelmente e se aperceberam que somos comuns mortais, com todos os problemas que andavam arredados de uma classe média, consciente dos problemas dos outros, mas desconhecedora de tantas dificuldades.
Aos 35 somos mais directos. Valha-nos essa capacidade de podermos dizer o que nos apetece, porque já aparecem os primeiros cabelos brancos e rugas, e por isso ganhamos estatuto, e ainda somos novos, o que nos mantém irreverentes.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 15 de Janeiro de 2009

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