domingo, 29 de junho de 2008

ENGRAVATADOS VERSUS POVO

O título soa a luta de classes. Mas não tenho intenções que assim seja. Sou partidário de uma sociedade livre e justa, que premeie o mérito individual, e que seja um retrato interclassista, fiel a um relacionamento social que una em vez de dividir. Aliás, convém mesmo dizer que nada tenho contra as gravatas, porque também as uso ciclicamente. Assim, ao recorrer ao termo engravatados, mais não pretendo do que transmitir um certo sentido figurado do que julgo ser actual no nosso país. Para ser mais preciso, e indo ao encontro do assunto que pretendo aqui dissecar, direi que há hoje uma clara clivagem entre certos engravatados e o país real. Ultimamente, temos tido conhecimento, via comunicação social, de uma vasta proliferação de declarações públicas, por parte de algumas pessoas que nos invadem as nossas casas, entre as quais governantes, empresários de topo ou certos representantes de classes profissionais consideradas de elite, com um certo tipo de linguagem inapropriado.
Não sei em que mundo é que vivem, mas, facilmente, chegamos à conclusão que não deve ser no nosso, aquele que é real e que tem sido palco de conflitos sociais, numa espiral que se tem vindo a agravar exponencialmente. Julgamos até, face a tudo o que ouvimos do alto das suas cátedras, que as suas considerações são perfeitamente abusivas e que, se não soubéssemos que por princípio não nos querem mal, seríamos tentados a pensar que sentem por nós um profundo desprezo.
Só assim se justifica a ligeireza com que se referem ao nosso futuro, sempre com a justificação de que não podem fazer nada contra os problemas que nos assolam, porque assim tem de ser e em nome de um conjunto de princípios e restrições que só a nós se aplicam, deixando no ar a ideia que nem todos respeitam os sacrifícios pedidos.
Vejamos o caso do aumento sucessivo do preço dos combustíveis. Tendo por base um conjunto paupérrimo de declarações públicas de alguns dos nossos governantes e de uns certos tipos engravatados que lideram o sector petrolífero, interrogo-me se aquelas pessoas se importam cada vez que existe um agravamento das nossas condições de vida.
Esta pergunta torna-se ainda mais pertinente quando nos sentimos violentados na nossa consciência ao ouvirmos da parte do Ministro das Finanças que se deve poupar mais, mas ao mesmo tempo se observa um Estado pouco controlador. Ou ainda quando ouvimos alguém de uma empresa petrolífera observar que não pode baixar o preço dos combustíveis porque com o lucro existente (pouco na sua opinião) tem de pagar o seu salário e dos seus colaboradores.
Há claramente um fosso entre os engravatados do nosso país e o país real. E isso percebe-se pela omissão de ideias e de políticas que estanquem a degradação social que, infelizmente, não tardará. Esta falta de sensibilidade e este desfasamento entre as dificuldades que muitos sentem e algumas pessoas que vivem noutra dimensão preocupam-me. Por mais posições de destaque que certos engravatados hoje detenham, isso não lhes dá o direito de “desconsiderar” as dificuldades que o cidadão português comum sente, e que ao invés de uma certa protecção que deveriam promover, ainda somos brindados com declarações que invocam uma altivez que é exagerada e até ofensiva.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 5 de Junho de 2008

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