quarta-feira, 15 de julho de 2009

A PERCEPÇÃO DA NOSSA DEMOCRACIA

Salvo o erro, creio que o estudo promovido e divulgado no IV Congresso da SEDES (associação cívica portuguesa fundada em 1970), intitulado A Qualidade da Democracia em Portugal: A Perspectiva dos Cidadãos, dirigido por Pedro Magalhães da Universidade de Lisboa, com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e da Intercampus, passou ao lado da opinião pública e dos políticos portugueses, facto que lamento profundamente.
Ainda que tenha contado com algum impacto mediático, foi assim que tomei conhecimento, e mesmo que muitos possam afiançar que não passa de mais um estudo igual a tantos outros, os resultados apurados dever-nos-iam obrigar a reflectir sobre a percepção que temos sobre a nossa democracia.
O estudo apresenta um enorme grau de desconfiança na democracia, indo até mais longe nas conclusões apresentadas, nomeadamente quando se assevera o descrédito da justiça. Entre os inquiridos, “mais de dois terços consideram que a justiça não trata de maneira igual pobres e ricos e trata de uma forma diferente um político e um cidadão comum” e “a maioria sente-se desincentivada de recorrer aos tribunais para defender os seus direitos”.
No estudo em causa, é notório também o distanciamento entre eleitores e eleitos. Mais de 60 por cento discordam da ideia de que “os governantes têm muitas vezes em conta as opiniões dos cidadãos”, 73 por cento não se revêem na afirmação que “as pessoas como eu têm influência sobre o que o Governo faz”, 75 por cento discordam da frase “os políticos preocupam-se com o que pensam pessoas como eu” e, a mesma percentagem de inquiridos, discorda com a ideia de que “quem está no poder não busca sempre os seus interesses pessoais”.
Assim, não será de estranhar que 16 por cento dos inquiridos se sintam nada satisfeitos com a democracia, 35 por cento se sintam pouco satisfeitos, ou seja, mais de metade têm uma opinião muito negativa em relação à nossa democracia.
Neste enquadramento, é muito difícil passar ao lado destes resultados sem, pelo menos, dar uma opinião ou tentar, como deveria ter sido feito pelos políticos, sejam eles de que quadrante for, anunciar um conjunto de medidas para reverter este quadro.
Por mais que seja difícil de explicar às pessoas que isto pode mudar, ainda creio, e porque sou optimista, que poderão haver saídas para esta crise de identidade. Fundamentalmente, apesar de tantos erros e de tanta gente desonesta ter vencido na vida à custa da desilusão criada em tantos cidadãos, cujo voto foi fundamental para essa vã conquista, ainda acredito num certo tipo de justiça social que nos permita separar o trigo do joio e que faça com que as pessoas regressem à necessidade de cumprir os seus deveres cívicos sem mais desculpas.
É um trabalho de todos. E, nesta missão, por mais razões que as pessoas desiludidas possam ter, há sempre algo que terá de ficar no cerne do nosso comportamento: não há outra alternativa à democracia que não seja uma democracia participada. Só assim será garantida a nossa própria liberdade.

Publicado Jornal Região Sul, edição de 15 de Julho de 2009. Link: http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=96038

terça-feira, 7 de julho de 2009

DE UM TEMPO AUSENTE

Começo por escrever estas linhas sabendo o quão longe estou de casa. Dentro do meu país, mas com uma realidade diferente, onde pontificam outros hábitos e porque não dizê-lo, formas de cultura dissemelhantes, estou de férias.
Conheço bem alguns dos sítios onde estou neste momento. Algures no distrito de Viseu, mais concretamente em Moimenta da Beira, terra dos meus pais, sei que sinto sempre um enorme prazer em estar por cá. Sei também que são realidades que considero complementares, dentro de um país todo diferente e todo igual.
Tive a oportunidade de visitar, durante estes dias, a cidade de Bragança, Vila Real e Mirandela, fazendo uma visita turística nordestina, o que me reforçou a minha leitura sobre alguma da desertificação a que o nosso país está votado desde há algum tempo.
Claro que não falo destes três locais que acabo de mencionar, nem tão pouco dou como exemplo o caso da vila onde estou, mas fico com a sensação inabalável que o próprio crescimento destes e de outros locais, têm sido o reflexo de um abandono das pessoas que antigamente viviam nas suas periferias e que agora tentam encontrar um novo rumo para si e para os seus.
Ainda nestes dias, talvez pelo meu apetite confesso por aquelas paisagens quase bucólicas que por aqui abundam, tive a oportunidade de visitar alguns locais onde se sente claramente um tempo ausente, como que se tivesse parado por artes mágicas.
Poucas casas, pouca gente e, aquele sensação de que aqueles que vemos são de uma idade avançada e, por isso, perfeitamente resignados ao que têm.
Assim, é como se vivesse num dilema. Por um lado, senti-me bem por estar ali, gozando uma súbita paragem do tempo, sem acesso a telemóveis e com uns pulmões cheios de ar puro, mas, por outro lado, não consegui suprimir a sensação de que um certo Portugal morre aos poucos e não tem capacidade de se regenerar.
A desertificação destes locais gera problemas que são difíceis de resolver. São centenas de lugares que parecendo agora abandonados, antes geraram vidas, honraram tradições, consolidaram a nossa história e a própria cultura, e, por isso, mereceriam um acompanhamento diferente.
Ao Governo, enquanto primeiro responsável pelo equilíbrio territorial, exige-se que seja capaz de ser a mola inspiradora que mais ninguém poderá igualar. Pedem-se acções rápidas, que alterem o rumo dos acontecimentos, fazendo com que haja uma discriminação positiva e um conjunto de incentivos que façam regredir este êxodo.
Pede-se também aos agentes locais, pela sua familiaridade com todos estes assuntos, que possam ajudar a fixar as pessoas em muitos desses lugares, dando-lhes condições para que possam ter qualidade de vida e trabalho.
O esforço contra a desertificação é de todos. O país também pertence e diz respeito a todos. E, mesmo com as realidades e vivências diferentes que encontramos cada vez que vamos para fora cá dentro, todas essas coisas que ainda existem hoje e as que pudéssemos recuperar, certamente fariam de nós um melhor Portugal.
Ora, todos o sabemos, esta constatação faz muito mais sentido nas horas em que mais precisamos de o provar. Eis esse tempo.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 2 de Julho de 2009
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