sábado, 30 de maio de 2009

HAVERÁ INTELIGÊNCIA NO ALGARVE?

As próximas palavras não são, nem poderiam ser, separatistas. Sendo algarvio, embora com costelas nortenhas, tal herança impede-me, em consciência, de ter uma visão geográfica míope. Aliás, como sabemos, embora alguns teimem em não ver/perceber isto, esta região é uma miscelânea social, e nessa diversidade, reside a sua força.
Portanto, feita esta introdução, que impedirá certamente os mais puritanos de me chamarem nomes, e sem querer entrar numa contradição, vamos à moda que impera no Algarve, nomeadamente no recurso tendencioso à pretensa inteligência que vem de fora.
Hoje, as pessoas que nos vêm vender alguma coisa, se forem da grande urbe, leia-se Lisboa, têm sempre uma porta aberta, porque, tal como são rotulados, são pessoas detentoras de uma sabedoria inigualável.
E pronto, lá temos de nos sujeitar a um conjunto de ideias que, muitas vezes, são um flop; reféns de medidas que até seriam bem pensadas se acontecessem noutro lado; votados a realidades que não têm nada a ver com a nossa e, essencialmente, ficamos à mercê de uma certa arrogância de quem se sente acima destes provincianos, ou seja, nós. Ainda por cima, pagamos a peso de ouro este conjunto de dicas, de façanhas e de propostas que esbarram nos orçamentos apertados que temos.
Não sou contra a aprendizagem com quem sabe. E, por isso, todos aqueles que vierem acrescentar métodos novos, abrir-nos os horizontes e trabalhar em prol de que esta região seja maior de idade com os seus contributos, tudo bem, assino por baixo.
Estas linhas são fundamentalmente para todas aquelas pessoas que não trazem nada de novo e apenas vendem o facto de terem alguns conhecimentos (que poderíamos fazer também se não tivéssemos a perder tempo com elas); que se sentem acima de todos (e descobrimos que, afinal, não são ninguém de especial nos seus sítios); que são ineficazes ou melhor dizendo, para que não restem dúvidas de semântica, são inúteis.
Senhores decisores, não nos façam de burros e parem de pensar que só os outros são bons. Com essa vossa atitude discriminatória, castrando os qualificados e capazes, só porque não vêm de Lisboa, têm ajudado a denegrir a inteligência que existe no Algarve.
A situação é tão grave que não consigo deixar de me interrogar o propósito de tudo isto. Eu desconfio, claro. Como quem quiser ser franco consigo próprio, também o fará. Só que apesar de muitos concordarmos que esta situação nos é desfavorável, ninguém rema em sentido contrário. Acobardamo-nos em nome de coisas que não interessam.
Desculpem-me estas palavras, mas ninguém melhor que os algarvios, seja por adopção ou por nascimento, conhece o Algarve e sabe o que deve e pode ser feito aqui.
Precisamos de aprender com quem sabe e não com quem pensa que sabe. Ora, não sendo esta uma qualquer birra literária, nem sequer um manifesto contra quem quer que seja, é antes um grito de revolta contra verdadeiros atestados de estupidez que nos têm sido passados.

Publicado no Jornal Barlavento, edição de 28 de Maio de 2009

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A SUBIDA DO OLHANENSE

Costuma-me dizer que quando se ganha, nada nos atrapalha e todos se encostam ao nosso sucesso. O caso concreto, sobre o qual irei escrever nas próximas linhas, exemplifica na perfeição, o espírito da frase que escolhi para iniciar esta crónica.
A recente subida do Sporting Clube Olhanense à Primeira Liga e o consequente regresso do Algarve aos grandes palcos desportivos, devem-nos encher de orgulho a todos. E, nesta palavra todos, devem estar aqueles que são algarvios como eu, mas também aqueles que defendem um alargamento geográfico dos campeonatos desportivos para que estes obtenham um outro estatuto.
Actualmente, sou sócio e dirigente do Portimonense Sporting Clube. E, se num primeiro momento, talvez por um qualquer egoísmo bairrista estúpido, pudesse ter ficado “incomodado” com esta façanha do vizinho, o facto é que não fiquei, porque entendo que há coisas que nos devem unir e não separar.
Enquanto acompanhante assíduo do intitulado desporto rei, nomeadamente através da evolução da situação da Segunda Liga, fui um espectador atento do que se passou no Olhanense e da estratégia que usou para conseguir este feito.
Obviamente não mencionarei a parte desportiva, pois o sucesso fala por si, mas quero antes abordar uma temática que me é bastante cara: a promoção do clube e as ideias que foram tomadas para aproximar o Olhanense das pessoas.
Neste campo, e apesar de estar tudo inventado, no último terço do campeonato, o Olhanense inverteu um certo sentimento de apatia e apostou no marketing, na presença de público nos estádios e foi conquistando, sem rodeios e de um modo eficaz, esse sentimento de pertença que amparou o clube.
Foi notório que tiveram condições para isso, e porque porventura, também existiram verbas para suportar esse esforço, vêem-se agora perante um feliz dilema: o que fazer para continuar esta dinâmica?
Eu sei o que é trabalhar sem verbas, ou seja, fazer os possíveis dos impossíveis, mesmo que ainda assim sejamos maltratados por aparentemente nada fazer. Por isso, gostava de poder aconselhar os meus vizinhos de Olhão a continuarem com esse esforço de aproximação do clube aos algarvios (porque os representarão a todos), alargando, com sabedoria e prudência, o seu campo de acção para uma outra dimensão que tem mais a ver com o campeonato que disputarão. Ainda que com os pés no chão, e com uma gestão rigorosa, faz falta pensar em grande para que se possam atingir outros patamares.
Para que o Olhanense não seja igual a tantos clubes, para os quais a subida de divisão foi um princípio do fim, é necessário que a sua equipa dirigente, nomeadamente quem trata da área da promoção e marketing, saiba apostar no público-alvo certo, nas campanhas que mais se adeqúem ao seu estatuto e aproveitar esta dinâmica de vitória que hoje faz toda a diferença.
No dia da vitória todos comparecem às festas. Mas há que distinguir as pessoas. Aquelas que raramente lhe pomos a vista em cima, devemos usar uma certa pedagogia para que possam estar mais presentes. Aqueles que estão sempre connosco, seja nos bons ou maus resultados, merecem um estatuto diferente e uma outra recompensa.

Publicado no Jornal Região Sul, edição de 27 de Maio de 2009. Link: http://www.regiao-sul.pt/noticia.php?refnoticia=94865

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A MORDAÇA

Anda muito na moda a expressão “usar a mordaça”. De um momento para o outro, alguns dos políticos dos maiores partidos portugueses, decidiram presentear-nos com tais ímpetos, num espectáculo que, mais uma vez, nos embaraça a todos.
Num tempo em que ainda se fala de liberdade, porque Abril passou por aqui há apenas alguns dias, colocar esse tema em cima da mesa merece uma profunda reflexão.
Ninguém é profundamente livre nos dias em que correm. Mas escrever isto soa a algo demasiado profano, principalmente num tempo em que julgamos a liberdade como uma conquista adquirida e irrevogável.
Não escrevo no singular, faço-o no plural e sem casos em concreto. Assim sendo, vejamos bem. Se por um lado somos livres para afirmar, defender e criticar o que muito bem queremos, no fundo, bem lá no fundo, quando é necessário manter essa posição, mas temos algo que nos impede, acobardamo-nos e todos, sem excepção, já sentiram esse medo e viveram essa experiência.
Claro que alguns iluminados me tentarão contradizer, afirmando que a sua liberdade nunca foi posta em causa. Entendo isso. Não os desminto nem isso valeria a pena.
Sei que, no nosso íntimo, muitas vezes, tentamos mascarar pequenas ou grandes faltas de liberdade com autênticas fugas para a frente, porque tal é mais fácil de aceitar, como se fosse uma mentirinha que contamos a nós próprios sem mais problemas.
A verdade nua e crua é esta. Nunca sentimos tanto medo como agora. E isso obriga-nos a ser prudentes e calculistas. Ora porque temos um emprego que precisamos de manter, ora porque os nossos familiares dependem de outras pessoas, ora porque devemos certo tipo de obrigações ou porque temos uma família para alimentar, entre outras coisas.
De vez em quando temos uns rasgos de coragem. E isso alimenta-nos a ambição de que podemos ter uma vida diferente. Mas, regra geral, caímos sempre no mesmo desespero de contar palavras e utilizar toda a prudência que pudermos para o nosso próprio bem.
Não se trata de uma profunda desilusão com a vida. É apenas o reconhecer que a vida em sociedade não é perfeita e necessita de uns retoques para poder ser melhor. E se até aqui não o tem sido, desconfio que só com um certo tipo de utopia podemos aspirar a que seja diferente.
Vão valendo algumas limitações e censuras a quem abusivamente pratica os condicionalismos de liberdade. Porém, esses até são fáceis de ser detectados e corrigidos. Mas o que vos descrevi aqui hoje não passa por aí. Há liberdades e liberdades. Há limitações e limitações mais ou menos visíveis. Há muita gente que explora a nossa liberdade, sabendo de antemão que a sua própria liberdade também está condicionada. É como se fosse um círculo vicioso onde andamos todos, sem excepção.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 21 de Maio de 2009.

terça-feira, 19 de maio de 2009

DESORIENTADOS DE ABRIL

Sejamos claros. Os motivos porque a revolução de Abril foi feita não o são. Nem tão pouco as causas que lhe estão adjacentes. Mas, os discursos tendenciosos, presos ao passado, sempre repetitivos e por isso monótonos, são aborrecidos. Admitamo-lo.
Embora nos digam que é preciso recordar as atrocidades que se cometeram no período da ditadura, tais memórias não ficam mais florescentes só porque teimam em fazer de Abril passado e não futuro.
A geração de quem vive em liberdade, e que tem muitos defeitos tal como tantas outras que a antecederam, precisa de novos estímulos e de uma pedagogia diferente.
Acredito piamente que em vez de catalogarmos de pré fascistas todos aqueles que defendem as causas de Abril mas não simpatizam com o estilo revivalista que o status quo impõe, deveríamos antes perceber os seus motivos e tentar adaptar o discurso a novos públicos, cientes de que só assim poderemos atrair em vez de afastar.
O ponto de situação sobre Abril de 74 é confrangedor. As pessoas, e aqui incluo muitas mais do que apenas as mais novas, não ligam muito às comemorações, acham que é tudo um aborrecimento, têm simpatia pela coragem de tantos portugueses mas deixam tudo nas mãos dos políticos de quem tanto desconfiam.
O dia vale por ser feriado. Os discursos que enchem noticiários ficam por isso mesmo e não são devorados por quem os deveria consumir. E pronto, lá se foi mais uma comemoração de Abril. Para o ano, certamente, haverá mais.
Assim não dá e isto não augura nada de bom. Onde é que encaixaremos aquela sensação de que as pessoas, para além de testemunharem Abril, vão poder dar um pouco da sua liberdade aos outros? Para quando os apelos à cidadania, à participação, ao associativismo, à crença de que todos poderemos dar algo de novo à sociedade?
Somos um conjunto de reféns da situação. Por um lado, somos de Abril porque alguém nos recorda tantos anos de opressão. Todavia, por outro, porque nunca o sentimos na pele, vacilamos quando temos de tomar decisões num mundo diferente e com contornos que não têm paralelo com o que havia antes de 1974.
Os mesmos que fazem discursos tão bonitos uma vez por ano, que vivem na sofreguidão das palavras, que contam os dias para ser Abril de novo, têm de perceber que há um conjunto de desorientados de Abril que dão valor a outras coisas e que não sendo pela ditadura (longe disso!!!), privilegiariam outras formas de discurso e outras abordagens.
Num tempo em que as pessoas precisam de clarificar os seus pontos cardeais, isto é, perceber para onde caminham. Num estado de coisas que vive e respira uma crise não só monetária, mas também de identidades e valores, é tempo de adaptar Abril ao futuro.
Só assim poderemos ensinar aos mais novos que no dia 25 de Abril, não comemoramos um dia de alguém em particular, pois ninguém tem direito de se apropriar de uma revolução, mas sim uma conquista de todos, independentemente das suas ideias sobre política ou religião.
Todos o sabemos. Apesar de tantas conquistas, apesar de tantas reformas e políticas ensaiadas, ainda falta cumprir Portugal. Ora, isso far-se-á no futuro, nunca no passado.

Publicado no Jornal do Algarve, edição de 14 de Maio de 2009.
Share |